Programação

As conferências plenárias serão de aproximadamente 45 minutos, seguindo-se 30 minutos tempo para o debate.  As comunicações das mesas temáticas serão de no máximo 20 minutos, seguindo-se um total de 30 minutos de debate após concluídas todas as três apresentações.

Para assistir à conferência de abertura (plenária remota), clique no ícone , abaixo.

06/11
seg
10H
Plenária Remota
Plenária Filomena
Mediação: Marcela Oliveira
Um exercício espiritual em Finisterra de Carlos de Oliveira
Maria Filomena Molder (IFILNOVA)
14H
Sala O-342
Olhar, espaço e Benjamin
Mediação: Cíntia Vieira da Silva
O espaço como medium: questões de linguagem nas "Passagens" de Walter Benjamin
Arthur Dal Ponte Santana (UFSC)

A adoção benjaminiana do materialismo, que ocorre em meados da década de 1920, modifica seus enfoques problemáticos, assim como a própria maneira que esse autor expõe seu pensamento. Esse movimento em direção à realidade material será enfatizado no projeto das “Passagens”, no qual Benjamin se aprofunda a organizar os fragmentos fossilizados de uma Paris do século XIX que sobrevive como fantasma no começo do século XX. O objetivo do presente trabalho é observar como a adoção do materialismo por parte de Benjamin não engendra uma ruptura, mas sim uma continuidade e ampliação dos problemas do jovem Benjamin, de maneira a compreender como a obra das “Passagens” retoma questões da linguagem presentes em sua obra de juventude, ainda que em um novo enfoque. Para isso, observa-se como o aspecto de organização e de montagem da obra retoma questões relativas à espacialidade, já presentes em “Origem do drama trágico”, ainda que sob outro prisma. O eixo central é uma aproximação da ideia de espaço àquela da linguagem como medium advinda de seus textos de juventude, observando como, em Benjamin, o espaço do tecido urbano é onde se expressam as imagens do século XIX analisadas nas “Passagens”, mas é também esse mesmo tecido urbano que se expressa como conteúdo dessas imagens, de maneira que é possível pensar o espaço como uma forma de linguagem.

Falar aos olhos: Hoffmann, Atget, Klee
João Vitor Araújo (UFMG)

O presente trabalho parte de uma hipótese de leitura das operações da história da arte de Walter Benjamin que se vale da estrutura da crítica imanente para recuperar, desde obras afrontadas pelo historiador-filólogo da arte, a elaboração dos conceitos orientadores de seus procedimentos. Dentre os procedimentos desta história-filologia da arte, focamos aqui no conceito de olhar, particularmente declinado enquanto olhar filológico em conversa com Aby Warburg. Para recuperarmos este conceito desde as obras olhadas por Benjamin, enfrentaremos o conto “Das Vetter Eckfenster”, de E.T.A. Hoffmann, algumas fotografias de detalhes arquitetônicos de Éugene Atget e, mais uma vez, a tela “Angelus Novus”, de Paul Klee. Com Hoffmann, voltamo-nos até os princípios da arte de olhar do fisionomista da metrópole moderna mediante este dispositivo ótico: a janela voltada para o “Gendarmenmarkt” de Berlim. Atget, por sua vez, nos oferece um pensamento do detalhe politicamente comprometido em uma coleção de fotos que opta por se aproximar das coisas e do vazio entre elas para ler a história desde Paris. Por fim, o olhar do anjo na tese IX narrado em consonância com a ênfase esbugalhada dada por Klee à figura e à legibilidade dos destroços enquanto “sema” – signo e túmulo – evidenciam a operação do olhar-leitura de Klee comentado por Foucault e intuído por Benjamin, no qual dar a ler e dar a ver travam entre si uma zona de passagem.

Arquitetura de Cristal
Sulamita Fonseca Lino (UFOP)

Em 1914, foi inaugurada a Exposição da Werkbund em Colônia, Alemanha. Nela foram mostrados edifícios e objetos que haviam sido criados a partir das técnicas e dos materiais disponibilizados pela indústria. Foi nessa mostra que um edifício ganhou destaque, o Pavilhão de vidro, do arquiteto Bruno Taut. Esse projeto buscou reunir premissas encontradas em momentos distintos da história da arquitetura, tais como o gótico e a era industrial. Paul Scheerbart, que visitou o pavilhão, dedicou ao seu arquiteto o texto (manifesto) “Glasarchitektur”, lançado em Berlim no mesmo ano. Nele há uma defesa do vidro como o material do novo século, o fundamento da arquitetura moderna, que estava por vir. Para os arquitetos, Scheerbart é o “poeta da arquitetura”; para Benjamin sua obra é uma “utopia bem ventilada” cheia de “sensibilidade moderna” e seu romance Lesabéndio é um exemplo de ruptura da fronteira entre a linguagem e a arquitetura. O Pavilhão de vidro de Taut tem a forma de um cristal e proporciona experiências de tempos distintos da história da arquitetura. Para Scheerbart morar na arquitetura de vidro é uma condição da vida moderna. Já para Benjamin o vidro é um material que apaga os vestígios da história pessoal, mas que também deixa aberta a possibilidade de novas experiências. O objetivo deste trabalho é discutir de que maneira o debate em torno do Pavilhão de vidro foi inscrito dentro de uma proposta de ruptura das fronteiras entre a linguagem e a arquitetura.

14H
Sala O-510
Literatura nas fronteiras do Real: os casos do surrealismo de Breton, do "realismo" de Machado e do "nosso Aufklärung" de Antônio Cândido
Mediação: Marcela Oliveira
Uma Aufklärung fora de lugar
Marco Antonio de Carvalho Bonetti (UFJF)

Na “Formação da Literatura Brasileira”, Antônio Cândido situa nosso ingresso no Iluminismo em um capítulo atípico da obra, onde a literatura abre espaço para a produção de Hipólito da Costa. Em ‘A nossa Aufklärung’, a centralidade dos problemas da estética, do belo, do sublime, da estilística cedem lugar à ênfase no problema da constituição da literatura como sistema, sua abertura para a realidade social do país. Sua fronteira com a realidade. O trabalho discutirá este deslocamento a partir da reflexão sobre o próprio conceito de Iluminismo apresentado no famoso escrito de Kant sobre o tema, e problematizará sua insuficiência em face do contexto histórico brasileiro escravagista, resgatando argumentos tanto de Roberto Schwarz quanto de Nelson Werneck Sodré que apontam para uma impossibilidade desta articulação entre pensamento e escravagismo. Nossa primeira tentativa literária de esboroamento das fronteiras com a Realidade na figura do Aufklärung resultaria assim em malogro que só obteria resultados mais promissores em outro panorama histórico 80 anos depois.

Machado visita Alcibíades: Foucault, sujeito e verdade
Carlos Pires (UFRJ)

Machado de Assis procura, em alguma medida, colocar em prática como escritor ao longo da década de 1870 aquilo que enuncia no seu conhecido texto de intervenção na imprensa de 1873, “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”: o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. Os contos publicados em “Papeis avulsos” (1882) de fato trazem “assuntos remotos no tempo e no espaço” e uma exposição muito particular do “sentimento íntimo” de alguns personagens, enquanto o “sentimento” do escritor propriamente aparece nessa irônica exposição. O presente trabalho pretende, dialogando com as reflexões de Foucault de 1982, dar atenção a forma como essa relação proposta com uma representação menos, digamos assim, realista ganha uma torção bastante particular no conto “Uma visita de Alcibíades” por meio de uma elaboração sarcástica, e em escala fluminense, de um debate de amplo fôlego sobre as relações entre sujeito e verdade.

Surrealismo e seu conceito de acaso objetivo: estabelecendo fronteiras entre literatura, marxismo, dialética hegeliana, psicanálise, romantismo e as inovações de linguagem
Marcus Vinícius Giraldes Silva (FIOCRUZ)

Mais do que uma vanguarda estética, o que evidentemente também foi, o surrealismo se constituiu como um movimento ético-político que pretendeu reunir o marxismo, a dialética hegeliana, a psicanálise, o romantismo e as inovações de linguagem trazidas pela literatura simbolista francesa e o dadaísmo. Em conformidade com sua posição revolucionária anticapitalista, compreendida no sentido radical de “revolução total”, o surrealismo buscou incessantemente uma teoria dos eventos na história, da qual é expressão fundamental a sua categoria de “acaso objetivo” (hasard objectif). O acaso objetivo é tanto uma categoria ontológica quanto ética que relaciona o contingente, o necessário, o possível e o desejado, “o lugar geométrico dessas coincidências”, como disse André Breton, em busca dos “encontros capitais” que signifiquem uma ruptura no curso das expectativas da vida reificada segundo os ditames da lógica de reprodução do mundo das mercadorias, ou seja, os momentos em que o maravilhoso (surreal) emerge no cotidiano singular (o amor) ou na história (a revolução). A partir da reflexão sobre as categorias surrealistas de acaso objetivo e encontro capital vislumbra-se a atualidade do surrealismo como filosofia revolucionária que ainda tem muito a nos ensinar sobre como proceder diante do existente.

14H
Sala O-516
Kant
Mediação: Vladimir Vieira
Kant e o “espírito” da crítica do gosto: ou sobre o esclarecimento estético
Ricardo Barbosa (UERJ)

O “espírito” da crítica kantiana do gosto é o “espírito” mesmo do esclarecimento; pois com tal crítica, Kant estendeu o princípio da Aufklärung à esfera do ajuizamento estético. A convicção de que mesmo um juízo como o de gosto teria fundamentos a priori – uma convicção à qual Kant chegou tardiamente – o levou a investigar e a estabelecer as condições unicamente sob as quais tal juízo pode ser tomado como um juízo puro, ou seja, como a expressão de um ajuizamento da beleza e somente dela, sem mesclas ou confusões com outros predicados. A crítica da faculdade de juízo estética resultou assim na emancipação do gosto como “a faculdade de ajuizamento do belo” e mesmo numa exortação a essa emancipação, à Mündigkeit de uma consciência estética autônoma e comunitária, uma vez que legitimou a liberação da natureza e da arte para a possibilidade de uma fruição universalmente compartilhável de suas belezas pela beleza mesma e somente por ela.

Sobre o aspecto formativo do ajuizar sobre o belo
Gabriela Natal de Oliveira da Silveira (UFF)

Na “Crítica da faculdade do juízo”, ao analisar os juízos estéticos sobre o sublime (dinâmico), Kant apresenta um exemplo que nos chama a atenção: o filósofo concebe um adulto que não possui “ideias morais” suficientemente desenvolvidas e, por isso, não é capaz de ajuizar sobre o sublime, uma vez que este tem uma relevante relação com a moralidade. Na obra “Sobre a pedagogia”, Kant considera possível o que podemos chamar de formação moral, isto é, processos em geral que aproximam o ser humano da moralidade, desenvolvendo nele suas disposições para o bem e emancipando-o do controle de suas inclinações e desejos. Nessa obra, porém, Kant tem como sujeito de suas reflexões a criança, e não o adulto. Se consideramos que é possível, ainda com base na obra “Sobre a pedagogia”, entender o aprimoramento moral do ser humano como algo contínuo, é razoável assumir que processos de caráter formativo acontecem ao longo de toda a vida. Partindo desse ponto, pretendo apresentar os resultados de minhas investigações acerca do processo de ajuizar sobre o belo, como analisado por Kant na terceira crítica, a fim de defender que podemos interpretar esse processo como formativo. Com centralidade no conceito de sensus communis, pretendo defender a hipótese de que, para Kant, ao ajuizar sobre o belo, o indivíduo, ao tentar se desvincular de suas condições particulares e ocupar uma posição de sujeito universal, se aprimora moralmente.

O caminho para a depuração dos juízos estéticos em Kant: reconhecendo impurezas
Filipe Lima Malta (UFF)

Ao longo de toda a “Analítica do belo” (AB), Kant menciona diversas vezes o que ele chama de juízo de gosto puro. Este tipo de ajuizamento é o que Kant considera a forma ideal do ajuizamento estético da beleza, isto é, apenas cumprindo todas as rigorosas exigências que Kant expõe ao longo da Analítica — p.e. ausência de um conceito do que o objeto deve ser e desinteresse na existência do objeto — é que seria possível emitir tal tipo de juízo. No §2, em que Kant trata do desinteresse como característica fundamental do juízo de gosto puro, ele usa algumas vezes os termos mera contemplação (bloßen Betrachtung) e mera representação (bloßen Vorstellung) do objeto, sempre sugerindo que este ato é rigorosamente negativo, reduzido e apartado de outros possíveis estados anímicos comuns, quase como se o juiz do gosto tivesse alcançado um estado ascético para realizar tal contemplação. Surge então uma dúvida: Como fazer, isto é, qual o caminho a ser percorrido (o método) para que alcancemos um tipo de juízo assim tão rigoroso? Aqui irei propor como parte indispensável do caminho uma devida discussão acerca das impurezas do juízo, para tanto, é preciso passarmos atentamente por alguns pontos do terceiro momento da AB, bem como diferenciar juízos corretos de juízos puros. A discussão aqui proposta se fundamenta então na possibilidade dos juízos puros e enseja tratar das manchas do juízo, deixando em aberto uma discussão sobre a possibilidade de uma “depuração do juízo”.

16H
Sala O-342
Fronteiras do pensamento alemão
Mediação: Vladimir Vieira
A filosofia da música de Kant na fronteira entre a estética e a antropologia
Demétrius Alexandre da Silva Souza (UFRJ)

Se à estética de Kant, posto que comprometida com o problema da “passagem”, i.e., com a pergunta pela legitimidade da expectativa de que o “abismo instransponível” entre os domínios da razão teórica e da razão prática seja preenchido por um meio-termo, pode ser atribuída uma função sistemática, o mesmo não pode ser dito de sua filosofia da arte, que tem, segundo o comentário especializado, o estatuto de parerga, de anexo ou apêndice. De fato, o próprio Kant reconhece o caráter de ensaio (no sentido de tentativa) de sua divisão das belas artes, traço que se deixa ver em especial nas reflexões sobre música. É tendo isso em vista que pretendemos analisar os parágrafos da “Crítica da Faculdade de Julgar” dedicados à arte dos sons, cuja posição na dita divisão oscila entre as categorias do belo e do agradável, sendo, por esse motivo denominada pelo comentário recente como arte mista. Nossa hipótese é que a dificuldade de acomodação da música no interior das hierarquias oficias da filosofia da arte de Kant (em seu enquadramento transcendental) e sua subsequente recondução para o plano da fisiologia (§54), enquanto arte agradável do livre jogo cambiante das sensações, permite pensar a música em Kant, como arte limítrofe, que, protagonizando algumas das mais relevantes entradas de antropologia e psicologia empírica da terceira crítica, situa-se na fronteira, não só entre arte bela e arte agradável, mas também entre crítica e antropologia, entre filosofia transcendental e fisiologia.

A beleza interessada: leituras da crítica de Nietzsche à estética de Kant
Matheus Sampaio Benites Correia (PUC-Rio)

Este trabalho propõe uma análise da crítica de Nietzsche à estética de Kant, com foco na noção de “beleza interessada”. Kant argumentou, em sua “Crítica da faculdade de julgar”, que a apreciação estética deve ser desinteressada, ou seja, não deve estar ligada a nenhum propósito prático. No entanto, Nietzsche contestou essa visão em sua “Genealogia da moral”, argumentando que a beleza está intrinsecamente relacionada aos nossos desejos, paixões e interesses individuais. À luz das obras de ambos os autores e com o apoio dos comentários de Martin Heidegger – que em seus seminários sobre Nietzsche, tentou esclarecer um mal-entendido terminológico com a palavra “desinteresse”, argumentando que as opiniões de Kant e Nietzsche sobre o belo são mais semelhantes do que distintas – o trabalho apresenta um diálogo possível entre os filósofos, atualizando a estética de Kant a partir das considerações de Nietzsche.

Schelling e os símbolos da divindade
Vanise Cristina Ribeiro Zoto (UEM)

Segundo Schelling a tarefa da filosofia da arte é “expor no ideal o real que existe na arte”, e para que obtenha êxito nesta construção ideal da arte ela deverá partir daquilo que a arte possui de mais essencial e originário – o próprio modo de construção daquilo que é a matéria da arte, a mitologia. Nosso propósito em questão é investigar o mito na Filosofia da Arte em sua construção enquanto símbolo, no qual se realiza a unidade do particular e do universal, do ideal e do real. O arcabouço mitológico é constituído pelos deuses, e, se a essência das formas particulares é Deus, tais ideias correspondem à divindade; porém, enquanto símbolo, correspondem a um deus particular, uma figura delimitada, mas no qual revela-se o universal ou a divindade mesma. Os deuses são tão necessários para a arte quanto as ideias para a filosofia. Tendo em vista que realidade absoluta = possibilidade absoluta, Schelling afirma que a possibilidade dos deuses enquanto figuras da arte indica sua realidade, e eram, para os gregos, “mais reais do que qualquer outro real”. O autor concebe a mitologia como o protótipo do mundo poético e o caráter simbólico dos mitos como o jogo de limitação e absolutez que constitui a essência das figuras divinas. Para compreender a possibilidade da mitologia como a plena objetividade autônoma em relação à “invenção” artística, discutiremos a Darstellung simbólica, entendida como a síntese entre dois modos opostos de exposição, o esquemático e o alegórico.

16H
Sala O-510
Corpo, feminismo e arte
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
"Femme Maison": uma análise da série de Louise Bourgeois a partir das perspectivas de Georges Didi-Huberman, Walter Benjamin e Karl Marx
Isadora Maria Marques Nascentes (UFOP)

A artista plástica francesa Louise Bourgeois (1911-2010) produziu uma extensa obra ao longo de suas décadas de trabalho. Entre elas, a série “Femme Maison” (“Mulher Casa”), que se desenvolveu por mais de 60 anos, apresenta desenhos, xilogravuras, pinturas e esculturas representando sobreposições entre corpos femininos e edificações. Em análise inicial, compreende-se a visão da artista, entendendo a casa, o ambiente doméstico, como uma clausura, que inicia por volta do século XIII, junto à transição entre o feudalismo e o capitalismo europeus, e se ramifica e aprofunda ao longo dos séculos. Já que a domesticidade e o trabalho doméstico são constantes na vida da mulher – não individualmente, mas tomando o conceito de “mulher” como uma construção social –, a partir do presente trabalho pretendo analisar a série produzida por Bourgeois baseando-me no conceito de anacronismo da história da arte de Didi-Huberman, da necessidade de uma reconstrução histórica e uma redefinição de categorias já aceitas, entendendo que obras artísticas produzem uma “temporalidade com dupla face” e esta, por sua vez, é produtora tanto de uma historicidade anacrônica quanto de uma significação sintomal (Didi-Huberman, 2015, p.105). Ademais, a presente análise aplica, também, a dialética marxista e o materialismo histórico, compreendendo a história do feminino a partir de uma análise das leis que regem os fenômenos sociais, em transições e espirais que se repetem ao longo dos séculos ao serem aplicadas às questões de gênero.

Coisas indignas para um filósofo: da anestética à estética em Susan Buck- Morss
Juliana de Moraes Monteiro (UFBA)

Em “Estética e anestética: uma reconsideração de A obra de arte de Walter Benjamin”, a filósofa Susan Buck-Morss faz a seguinte observação: “mesmo ao articular a ‘estética’ pela primeira vez como um campo autônomo de investigação, Alexander Baumgarten sabia que ‘poderiam acusá-lo de se preocupar com coisas indignas de um filósofo’”. Na minha apresentação, proponho acompanhar a investigação de Buck-Morss sobre o discurso do estético, apontando como ela argumenta que a estética pouco tem a ver com categorias como arte, beleza e verdade, podendo, ao contrário, ser situada mais ao lado dos instintos animais. Fazendo uso do que ela chama de “atual consciência feminista no campo do saber”, ela critica o modo como o corpo – com todo seu aparato sensório – foi alijado da dimensão estética em favor de uma espécie de percepção anestesiada. O diagnóstico contemporâneo dessa crise passa, portanto, por reavaliar o estatuto da sensibilidade, destituindo a fantasia de um observador íntegro e invulnerável. Nesse sentido, pretendemos apontar como as considerações da filósofa mostram uma preocupação política em enfrentar as táticas anestesiantes que caracterizaram a experiência moderna na medida em que ela introduz como categoria fundamental do pensamento estético aquilo que precisou ficar de fora para que a estética se legitimasse enquanto um saber que alcançou dignidade filosófica: o corpo humano.

Feminismo como prática de montagem
Lucia Barros (PUC-Rio)

O objetivo do presente trabalho é propor uma leitura do feminismo como uma prática de montagem a partir da ideia de política como dissenso de Jacques Rancière. A montagem será entendida como o cruzamento de elementos que normalmente não se encontram, criando uma sensibilidade nova, uma operação que desidentifica tais elementos de sua perspectiva usual e apropria-se da palavra do outro para abrir um campo de possibilidades que torna algo novo visível e dizível. Essa apropriação da palavra do outro está no cerne da ideia de emancipação, central no pensamento de Rancière. O processo de emancipação das mulheres consiste no fato delas tomarem a palavra para si, falarem apesar de não serem autorizadas a fazê-lo, o que faz com que o que sai de suas bocas deixe de ser ruído para se tornar palavra. Isso promove um desentendimento, pois quando as mulheres tomam a palavra para si, esfacelam a ideia já codificada que prescrevia o significado de ser mulher. Ou seja, é um gesto que também as desidentifica da lógica usual. No cerne desse processo também está a apropriação das palavras do outro para abrir sensibilidades que não estavam dadas de antemão. A ideia de emancipação se associa à ideia de montagem pelo modo como articulamos palavras, pensamentos e gestos. Pretendo discutir essa premissa a partir de Jacques Rancière em diálogo com o texto “O Riso da Medusa” de Hèlène Cixous e com a exposição “Histórias das mulheres, histórias feministas” que ocorreu em 2019 no MASP.

16H
Sala O-516
Benjamin e engajamento
Mediação: Fernanda Proença
O potencial produtivo da fotografia em Walter Benjamin: mímesis, técnica e aura
Ana Beatriz Barbosa de Carvalho e Silva (UNICAMP)

Abordarei os conceitos de mímesis, técnica e aura com o intuito de reconstruir como Walter Benjamin compreende a imagem fotográfica do ponto de vista de seu potencial produtivo. Técnica e mímesis são conceitos caros à reflexão filosófica desde a antiguidade. Porém, o estofo que Benjamin fornece-lhes, aliado à “invenção” da aura, resultou em um ferramental teórico robusto para pensar a imagem fotográfica até hoje. Interessa-nos investigar as formulações conceituais ligadas ao momento da escrita de ‘”A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, no qual Benjamin faz a crítica de como a arte burguesa desenvolveu o gosto da pura aparência (Shein) e se esqueceu da dimensão do jogo (Spiel), mantendo a percepção moderna presa a um modo mimético-reprodutivo de arte. Ademais, Benjamin ressalta que, após o fenômeno da reprodutibilidade técnica, a arte deixou de ter a sua função de ritual como outrora, e mesmo a sua função secularizada já não traria consigo uma percepção passivo-contemplativa frente ao original, como era a aurática. Buscarei argumentar que as possibilidades produtivas da fotografia de então se encontrariam numa re-significação desses conceitos, tal qual feito a partir de experimentos vanguardistas desenvolvidas dentro de uma janela histórica do entreguerras que, mesmo de modo fugaz, abriu espaços para uma nova utopia moderna, em que a técnica poderia impactar a natureza da arte de modo a expandir e emancipar a percepção humana.

A escrita, o intelectual e a imprensa na filosofia de Walter Benjamin
Rodrigo Oliveira de Araújo (IFBA)

Durante a década de 1920 a questão da escrita se impôs como um problema central no pensamento de Walter Benjamin. Dentre outras coisas, interessa-lhe saber em que medida o intelectual, por meio de sua escrita, pode influenciar nos rumos da sociedade através da sua atuação na imprensa. A posição de Benjamin irá oscilar no decorrer dos anos, ora se mostrando um entusiasta diante da possibilidade do intelectual exercer algum tipo de influência política por meio das novas mídias que despontam nesse período, ora recuando em um pessimismo mordaz diante da existência das mesmas, vistas por ele como organismos comprometidos exclusivamente com o apelo à novidade e ao mexerico como fontes de obtenção do lucro o mais imediato. Propomo-nos aqui a procurar entender os termos dessa oscilação de Benjamin com o intuito de evitar generalizações que por vezes põem o filósofo, apressadamente, como um integrado ou como um apocalíptico. O entendimento desses termos passa necessariamente pela compreensão do desenvolvimento da indústria de comunicação do seu tempo e como esse desenvolvimento, aos seus olhos, pode se tornar tanto uma espécie de estado de graças ao intelectual, como fonte de esvaziamento do potencial crítico que Benjamin supôs ser a principal virtude do intelectual. Esse trabalho procura explorar, portanto, as fronteiras que aproximam ou distanciam a participação do intelectual na vida pública por meio de sua escrita.

Atitude Política: Walter Benjamin e Paulo Bruscky releem o engajamento artístico a partir da espacialidade
Rodrigo Rocha Rezende de Oliveira (UFU)

A ideia de engajamento artístico ganha amplitude conceitual uma vez que a ponhamos sobre os termos de suas diferentes manifestações históricas. Se tanto se expurgou o engajamento da sua condição militante, panfletária, com inúmeros exemplos de sua limitação, desde as propostas literárias soviéticas, podemos alargar seu alcance sem abandonar o próprio conceito, a fim de superar seus dogmatismos. Uma das possibilidades que nos instiga a falar novamente do engajamento é a maneira como certas manifestações artísticas contemporâneas envolvem a vida social e seus elementos materiais na economia das cidades e na exposição de suas ruínas. Para explorar essa transição, entre, um conceito de engajamento artístico alienado das suas verdadeiras funções ético-políticas, e sua reapropriação potencial, gostaríamos de estabelecer alguns paralelos entre o crítico e o artista que fomentam esse movimento radical; a saber Walter Benjamin e Paulo Bruscky. A escrita cartográfica benjaminiana, ou, como explora Fredric Jameson (2020), em “Benjamin Files”, fixada na exploração da espacialidade e nas formas de habitação em que os cenários são preenchidos a partir das condições capitalistas e sua exploração, precipita essa presença. Nesse mesmo sentido, o artista pernambucano Paulo Bruscky (1949), radicaliza o mergulho desviante na espacialidade a partir de uma tensão com os oprimidos pelos regimes hegemônicos que compartilham a sua situação de deslocamento.

18H
Auditório Bloco P
Plenária Carla
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
Lacan e a Coisa: em torno a "A fera na selva", de Henry James
Carla Francalanci (UFRJ)
07/11
ter
10H
Auditório Bloco P
Plenária Florencia
Mediação: Pedro Duarte
Ancestral e contemporâneo: práticas estéticas ameríndias e as fronteiras da arte
Florencia Garramuño (UdeSA)
14H
Sala 2 Bloco P
Visualidade
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
A abstração geométrica em Marcius Galan: elementos geométricos e elementos virtuais
Luis Fernando Silva Sandes (USP)

Marcius Galan surgiu nos anos 2000 sendo frequentemente apresentado como um novo talento da arte experimental. É muitas vezes associado ao neoconcretismo, ao minimalismo, ao conceitualismo e à tendência da abstração geométrica. Argumenta-se que a relação de Marcius Galan com a abstração geométrica se dá, ao mesmo tempo, pela presença de elementos geométricos (formas geométricas, planos, linhas) e de elementos virtuais. Foi essa virtualidade que levou à inserção do artista numa linhagem construtiva da arte brasileira aberta por Franz Weissmann com “Cubo vazado” (1951). Inserido nesse novo ramal da arte construtiva brasileira, Galan constrói, em algumas de suas obras, elementos que existem apenas virtualmente, sem materialidade própria, efetiva. Para ele, a virtualidade de suas obras “está sempre associada ao desenho, ao limite, à barreira” e é tão importante quanto a geometria em seu trabalho (Informação pessoal, 2023). Analisam-se obras suas de séries nas quais progressivamente se desenvolveram os elementos virtuais “Fundo falso” (iniciada em 2004), “Seção” (iniciada em 2008), “Translúcido” (2015) e a obra “Água parada” (2019). A análise formal se dá amparada na literatura pertinente, encontrada em catálogos e fôlderes de exposição, livros sobre o artista e entrevistas dele, inclusive com o autor. Conclui-se que Galan, em relação aos elementos geométricos, tensiona o legado do concretismo paulista e, em relação aos elementos virtuais, desdobra a experiência iniciada por Weissmann.

"Evanescente" (2001) e a última fronteira
Miguel Gally (UnB)

Obra de José Resende (1945) constituindo um conjunto de sete mil moedas de bronze cunhadas por Bosco Renaud, “Evanescente” (2001) fez parte do projeto “Fronteiras” (1999-2001), que reuniu artistas para produzir obras ou lugares nas fronteiras dos países que formam o Mercosul (1991), desde que permitissem uma visitação irrestrita. Evanescente é uma moeda, isto é, ao mesmo tempo uma medalha numismática, mas também pode ser entendida como um dinheiro com baixíssima circulação, cujo valor estaria ligado ao da própria obra. Guarda assim um valor simbólico (não artístico) sendo um objeto de arte. Com isso traz importantes discussões sobre o contexto da consolidação do Mercosul e a da criação de uma moeda única para o bloco econômico, mas sobretudo, recoloca para a filosofia da arte o desafio da fronteira da própria arte visual quanto à conquista da liberdade estética, de que as obras podem ter qualquer aparência. Ou seja, não se trata de um objeto ordinário que se transfigura em obra de arte, usando os termos de Arthur Danto, mas de uma obra de arte que se pretende objeto ordinário, o dinheiro, cultuado, entretanto, como a mais valiosa mercadoria da cultura econômica do Capitalismo, a fronteira evanescente, a última fronteira, o espaço de todos os espaços.

Nem tudo convém: notas sobre a representação pictórica na arte contemporânea
Vinicius Oliveira Sanfelice (UNIFESP)

Analisarei a fronteira figuração-abstração a partir da relação entre representação pictórica e reflexão filosófica sobre a representação. Parto da tese da “nova teoria da representação” que José Arthur Giannotti defendeu a partir das pinturas de D. Hockney para refletir sobre o “jogo representativo” que vê na obra de Hockney a transformação do abstrato em figurativo. Outras obras de arte mostram que a limitação que opõe figuração e abstração pode bem se transformar na promoção de um “retorno” ao figurativo (o exemplo: a chamada “geração 80” na pintura brasileira). Analisarei a defesa de Giannotti de uma “nova figuração” comparando-a com a “representação pictórica” na análise da arte visual realizada por Paul Ricœur. Ele enfatiza o paralelo entre obras de arte e linguagem enquanto fenômenos de produtividade que excedem o seu significado literal (ele aborda a pintura como inovação pictórica análoga à inovação semântica exemplificada pela metáfora). Embora pareça difícil abandonar a oposição figuração-abstração, considerando sua ênfase na pintura abstrata quando ele analisa a “referência produtiva”, Ricœur era ciente que tal relação é questionável. Avaliarei a “referência produtiva” e a “nova figuração” a partir do escopo da “representação pictórica” nessas análises. Abordarei a representação na pintura tomando Giannotti e Ricœur como críticos da limitação teórica de conceber a oposição entre figuração e abstração ao invés de concebermos o conflito entre esses termos.

14H
Sala O-342
Performance e polêmica
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
Performance como dispositivo transartístico
Anderson Bogéa (UNESPAR)

A partir da década de 1960, uma tendência forte ao puro nas artes, como evidenciado em C. Greenberg (2011), esgotou-se e a transitoriedade ganhou terreno quando as fronteiras artísticas passaram a ser borradas. Esse cenário coincide e muito com o diagnóstico apresentado por Lucy Lippard (2013), quando afirmou que as artes visuais parecem se deparar com uma encruzilhada com duas estradas que levariam a um mesmo lugar, a arte como ideia e a arte como ação. Diante disso, para pensar um desses caminhos propostos por Lippard, o da arte como ação, recorremos a alguns sentidos de performance, especificamente, nas obras de Paul Zumthor (2018), no qual encontramos a performance como único modo vivo de comunicação poética; e de Diana Taylor (2013), a qual atesta o privilégio do escrito em detrimento do conhecimento incorporado, e reitera a intraduzibilidade da performance. Se, como diz Platão, em “O banquete” (205c), as confecções de todas as artes são poesias, nossa investigação vai em uma direção correta ao identificar a performance não como terra de todos, mas como uma zona franca. A ideia de um dispositivo transartístico ultrapassa os limites artísticos tradicionais, o que demanda uma Estética diferente, talvez uma “aisthesis” da vida cotidiana (Cf. Welsch, 1997), ou talvez uma “somaestética” (Cf. Shusterman, 1998). Assim, a performance é um episódio na história do paralelo das artes, e exige que o espectador atue como tradutor para a produção de sentido pela proposição artística.

Transgressão dos códigos de representação na arte: polêmica como protesto e radicalização estética
Patricia Miguez Lattavo (PUC-Rio)

Esta comunicação apresentará um recorte de minha tese de doutorado sobre polêmica no campo expandido das artes. Abordando aqui especificamente as artes visuais, parto do texto da socióloga da arte Nathalie Heinich, “L’ art du scandal” (2005), para discorrer sobre o poder das obras de gerar escândalo ou polêmica, duas dinâmicas diferentes. Ambos se manifestam a partir de uma indignação, mas o escândalo, provocado pelas obras do passado, demanda segundo Heinich, uma unanimidade, sinal de valores compartilhados. Já o “affaire”, que traduzo como polêmica no contexto de minha pesquisa, se dá entre partes opostas, diferentes visões, uma indicação da divisão de valores que perderam a unanimidade com a cada vez maior normalização das transgressões. As questões que proponho são: no contexto da arte contemporânea a ideia de transgressão está superada? Os “limites éticos e morais” dos trabalhos artísticos são mais determinados pelo domínio ou não, por arte do público, dos códigos da arte do que propriamente pelo conteúdo das obras? Ainda é possível escandalizar, dentro do conceito proposto por Heinich? Apresentarei casos concretos para ilustração do debate.

Sobre o dia nacional do combate à humanidade
Henrique Iwao Jardim da Silveira (UFMG)

De 2015 a 2020, promovi o evento “Dia nacional do combate à humanidade”. A cada ano, produzi textos de ficção filosófica, nos formatos do manifesto e do panfleto, a partir de uma posição niilista, em tom de polêmica ambígua e humorada, fornecendo uma reflexão sobre o futuro da humanidade e os modos de ocupação humana hodiernos. Queria explorar as fronteiras entre arte e filosofia, bem como entre o real e o ficcional, e bolei, para cada edição, um núcleo temático, com ações performáticas associadas: em 2015, tratou-se da ideia de teleoplexia de Nick Land e a prática de protesto do panelaço (tema: “Panelaço contra a raça humana”); em 2016, a imagem do sono da razão e a transformação indiscernível descrita por Negarestani, ao falar da taqiyya islâmica (“O sono da razão”); em 2017, o dia mundial sem compras (“O homem é um cão urinando”); em 2018, a greve da arte de Stewart Home, além da prática da psicologia reversa (“Cancelamento”); em 2019, o neo-gótico do jovem Mark Fisher e a ideia deleuziana do contágio (“Código morse, portal para a desvida”); em 2020, o hikikomori japonês e a ideia da nova babilônia de Nieuwenhuys (“Quarentena eterna”). A comunicação pretende (1) refletir sobre a o gênero da ficção-filosófica. (2) Apresentar os eventos, explicitando suas bases artístico-filosóficas e articulações filosófico-estéticas. (3) Traçar as motivações gerais e avaliar até que ponto os eventos estabelecem um posicionamento inumanista coerente.

14H
Sala O-510
Cinema e filosofia
Mediação: Pedro Franceschini
O cinema-pensamento de Julio Bressane segundo Gerd Bornheim
Lays Gaudio Carneiro (UERJ)

Para abordar o cinema-pensamento de Júlio Bressane e discorrer sobre as matrizes estéticas de sua obra, escolhemos as percepções críticas de Gerd Bornheim sobre experiência do cineasta carioca, as quais ressaltam questões nodais de estética e filosofia da arte. Para Bornheim, assim como para Bressane, há um diálogo intrínseco entre pensamento e imagem, entre cinema e filosofia. No artigo “Um filme: Miramar”, publicado no livro “Páginas de filosofia da arte”, Gerd Bornheim disserta sobre a estética de Bressane, mostrando como a linguagem e a experimentação fílmicas podem ser pensadas sob um ponto de vista angular. É a partir do ângulo, da perspectiva, segundo ele, que notamos o posicionamento assumido pelo artista, já que o próprio angular se torna objeto de arte. Para Bornheim, uma das peculiaridades desse contexto é que, na arte atual, a linguagem se transforma em referencial de si mesmo, podendo o referencial exterior existir ou não. Além disso, o desdobramento da angularidade acontece como um dos primeiros contrastes da ruptura com certa estaticidade. É por essa razão que segundo Bornheim, “o cinema não se define tanto pela imagem, e sim pela mobilidade do angular. Mesmo quando estática, é essa mobilidade que constitui o princípio de determinação da imagem, e não o contrário”. (BORNHEIM, 1998).

Entre cartas de arquivo e imagens construídas. O cinema na beira da história: uma análise do filme “Na ventania”
Ivana Denise Grehs (UFF)

A trilha de investigação proposta nesta análise percorrerá limites diversos que, muito provavelmente, ao contrário da câmera de Martti Helde, nos impedirá de adentrar uma estância ou outra, pois a ideia é caminhar por entre as várias fronteiras que o filme “Na ventania” (“In the crosswind”) nos apresenta, a começar pelo contexto histórico e a definição literal de fronteira. O filme retrata a invasão das tropas de Stalin em território estoniano passando pelos limites entre a imagem estática, sugerida pelos “tableaux vivants”, e a imagem em movimento dos “mergulhos” em planos-sequência. Nossa reflexão, também colocará as palavras narradas, contidas em cartas das testemunhas do horror da guerra, em confronto com a narrativa fílmica concentrada em uma única personagem fictícia (Erna, suposta autora das cartas). Buscaremos qual a fronteira entre o cinema documental e o filme de ficção que insere o arquivo em sua dramaturgia. E, por fim, a relação do tempo em uma narrativa histórica. Chamamos para nossa análise o “anjo da história” – alegoria usada por Walter Benjamin em sua filosofia da história e da memória – e o movimento desse anjo ao olhar para o passado em direção às ruínas, aos restos e aos pedaços da história; as cartas guardadas pelas famílias; entretanto, o tempo empurra este anjo em direção ao futuro e a ventania não deixa suas asas congelarem.

A matriz linguística do “cinema de poesia” de Pier Paolo Pasolini
Silvia Faustino de Assis Saes (UFBA)

No seu ensaio “O cinema de poesia” (1965) Pasolini afirma que a linguagem do cinema é fundamentalmente uma “língua de poesia”, mas reconhece que, historicamente e salvo algumas exceções, a tradição cinematográfica constituída parece ser a de uma “língua de prosa”. Ao tratar da questão acerca de como uma “língua de poesia” pode ser teoricamente explicável e praticamente possível no cinema, Pasolini se inspira no conceito de “discurso indireto livre” e nomeia de “subjetiva indireta livre” o procedimento que define a imagem como um produto do olhar da personagem (em vez da tradicional “câmera subjetiva”). O objetivo da palestra consiste em explicitar de que maneira o “discurso indireto livre” serve a Pasolini como estratégia de subjetivação na composição da imagem cinematográfica, e como isso pode esclarecer o seu projeto de um “cinema de poesia”.

14H
Sala O-516
Passagens, ética e estética na estilística da existência: Manet, Pina, Boal
Mediação: Marcela Oliveira
Passagens ética e estética: Foucault e a arte de Manet
Stela Maris da Silva (UNESPAR)

Considerando a temática proposta na 16a edição do Congresso Internacional de Estética Brasil, as fronteiras da Estética, a proposta de trabalho situa-se no campo das possíveis fronteiras e ou passagens entre ética e estética. Para Foucault a arte esta relacionada com a vida, com esses jogos de verdade, como o êthos dos indivíduos e não apenas com os objetos. A arte moderna, relacionando estilo de vida e manifestação da verdade, se configura como exemplo de parresía cínica. Para ele Manet faz uma “pintura-objeto” sendo o fundador de um moderno sistema de pintura como materialidade e que terá influencia na pintura do século XX. São inquietações que se referem à estilística da existência e a parresía cínica. Pensar a ética como criação do indivíduo, como obra de si mesmo, como parresía cínica, prática e atitude, é condição da estética da existência. Dizer cinicamente a verdade não seria uma forma de político ética de deslocar-se, de não permanecer o mesmo? A arte pintura como “pintura-objeto”, constitui lugar, é aquela que assinala um outro lugar para o espectador, o lugar do risco, um lugar visível que rompe com a sua própria invisibilidade. Na modernidade de Manet, Foucault mostra a “atitude” de pintar o corpo nu de Olympia, o nu escandaloso”, o escândalo de Olympia como parresía. É na imagem que desencadeou a fúria do público, a imagem na perspectiva do visível e do invisível, vinculadas ao erotismo e outras experiências limite.

Corpos e estética da existência na dança de Pina
Renata Ribeiro Tavares da Silva Noyama (UNESPAR)

Considerando a temática proposta na 16a edição do Congresso Internacional de Estética Brasil, as fronteiras da Estética, a proposta de trabalho situa-se no campo das possíveis fronteiras e/ou passagens entre ética e estética. Ética como estética do corpo que é é superfície de inscrição dos acontecimentos estéticos. A partir desse pressuposto, o trabalho pretende discutir a Dança-teatro de Pina Bausch com corpos desconstruídos, considerando outros elementos que configuram a relação entre a linguagem da dança e do teatro numa estética da existência foucaultiana. Pensar a estética assim é pensar a ética como criação do indivíduo, como obra de si mesmo.

Boal e Foucault: teatro e ensino de filosofia
Samon Noyama (UFABC)

Considerando a temática proposta na 16a edição do Congresso Internacional de Estética Brasil, as fronteiras da Estética, a proposta de trabalho situa-se no campo das possíveis fronteiras e ou passagens entre ética e estética. Pensar o ensino de filosofia numa perspectiva da reflexão envolve aspectos estéticos. Augusto Boal, ao ver as relações de poder propõe a discussão do teatro do oprimido. Para Michel Foucault o teatro, mais que um interesse estético, é entendido como ferramenta conceitual pela possibilidade de problematizar questões como a loucura, o crime, a vida. O ensino de filosofia, tal como o teatro, possibilita analisar a existência humana, inquietar, e levar à reflexão sobre um viver diferentemente do que se vive. Perguntamos se o teatro de Boal e a visão de teatro de Foucault podem contribuir para aproximar o ensino de filosofia de um modo de vida enquanto estética da existência.

16H
Sala 2 Bloco P
Lukács, Benjamin e literatura
Mediação: Pedro Duarte
"Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister" em "Teoria do Romance", de Georg Lukács
Bruno Moretti Falcão Mendes (UNIFESP)

Em linhas gerais, esta comunicação tem como objetivo reconstruir a crítica estética que Lukács desenvolveu a partir de sua leitura e posicionamento em torno de “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister”, de Goethe. Alinhado ao modo histórico-filosófico com que Lukács aborda os conceitos e os examina, a exemplo de Hegel, toma-se como referência uma problemática fundamental à qual “Teoria do Romance” se filia: o a autonomia da obra de arte. Nesse sentido, cabe destaque à função da forma como apresentação do mundo, ou, em outras palavras, como a estrutura interna da forma romance coincide com as fraturas do mundo na experiência moderna. Se a forma romance está vinculada às questões substanciais da vida, como pensá-la como exercício de autorreflexão crítica sobre a forma de atividade humana em geral na experiência do presente? É sob esta chave de leitura que se dá a presente interpretação de “Teoria do Romance”, de George Lukács, a de que a estrutura interna da forma romance explicita uma imagem crítica do mundo, da perda de sentido real que só pode ser recomposto no âmbito da reconfiguração artística, artificialmente, por meio da reflexão. Isto posto, o ponto central de análise desloca-se para a relação entre a crítica estética de Lukács e o estatuto da ironia, no sentido de verificar as correlações entre a fusão épica pela forma, totalidade e formação [Bildung] do sujeito.

Traduzir intraduzíveis: algumas propostas e reflexões a partir de Walter Benjamin
Juliana Serôa da Motta Lugão (UFRJ)

A partir de notas elaboradas no curso da tarefa de traduzir “Berliner Chronik” (“Crônica berlinense”) e “Infância em Berlim por volta de 1900” (versão “Tiposcrito de Berlim”), do escritor e crítico alemão Walter Benjamin, a proposta desta comunicação é colocar a escrita literária no centro da reflexão sobre o ato tradutório destes dois textos hoje. De caráter autobiográfico e memorial, ambos apresentam literariamente processos e efeitos do lembrar. Embora deixe de lado sua regra pessoal de não usar o pronome pessoal “eu” nos dois textos, Benjamin não deixa de engendrar uma escrita que, ao assumir seu caráter mais radical, Infância, resulta em uma autobiografia anônima. Entende-se, aqui, a Crônica como um texto-laboratório e a Infância como uma radicalização de um projeto estético-político que encontra ecos em ensaios célebres do autor como “O narrador”, “Caráter destrutivo”, “Experiência e pobreza” – textos realizados sob a urgência que faria Walter Benjamin trazer para sua escrita o termo Jetztzeit. Considerada “intraduzível”, a própria estrutura da palavra Jetztzeit permite que o leitor acesse, quase materialmente, o centro do pensamento e da poética do autor. Diante de intraduzíveis, leituras daquilo “que nunca foi escrito”, como, então, na passagem entre as línguas, jogar luz sobre esse jogo sutil de anonimato de um autor que, também dentro de sua proposta literária, encontra-se em exílio e em fuga?

A arte e o realismo: o ensaísmo crítico na estética de György Lukács
Wesley Fernando Rodrigues de Sousa (UFSC)

A proposta é explicitar como o caso da literatura produzida pelo escritor apresenta-se como possibilidade de apreensão da realidade, ou seja, que não está limitada às determinações que a classe impõe sobre o artista. O “partidarismo” é a maneira de apreender a realidade, porque não é simples posição pessoal no aspecto produtivo, mas tem a ver com a riqueza – a dimensão humanista – que, engendrada no meio social, compõe a obra artística. A concepção proposta por Lukács de partidarismo, transforma as discussões de “arte pela arte” ou “arte de tendência” em pseudoproblema disjuntivo, pois a apreensão e as configurações artísticas não requerem como condição e não conduzem necessariamente à ruptura radical com a classe burguesa e à adesão da perspectiva proletária de emancipação. Com essa resposta aos problemas estéticos emerge a concepção de realismo na qual se liga também à questão do reflexo artístico: embora seja princípio importante para o autor, ela vem a ser trabalhada no ensaio “Kunst und objektive Wahrheit” (1934). No ensaio “O romance como epopeia burguesa” (1935) estabelece a ponte entre o diagnóstico e a perspectiva de uma teoria marxista do romance. A teoria estética do realismo na arte literária toma centralidade nos anos 1930, pois a arte não é apenas uma atividade refratária de alguns conjuntos de artistas ou escritores, mas se constitui numa progressiva e intensiva consciência do fato estético enquanto componente da existência prática do gênero humano.

16H
Sala O-342
Tecnologia e crise
Mediação: Pedro Süssekind
Crise da alteridade como crise da arte: a erosão do outro e a crise da criação na sociedade da informação no pensamento de Byung-Chul Han
Eder Aleixo (UFABC)

A comunicação discorre sobre a possibilidade e a potência da criação artística como resistência à sociedade da informação. O recorte do problema a ser explorado é delimitado por dois parâmetros extraídos da obra do filósofo Byung-Chul Han: 1 – o cenário contemporâneo de crise da relação com a alteridade, isto é, no vocabulário do autor, a erosão do outro; e, 2- sua intensificação por meio da digitalização da vida cotidiana exercida pelos novos meios de comunicação que fundam uma sociedade da informação e seu regime. Assim, propõe-se abordar as relações entre a alteridade e o fenômeno da criação à luz do pensamento de Han, que narra o contemporâneo a partir da erosão do outro, isto é, da eliminação da alteridade. Para o autor, hoje o Eu padece da falta de relação com o que é contrário à sua economia, com o que o nega, vivendo em um domínio autorreferente e estreito em relação ao mundo que o isola do outro. Um cenário agravado pelas mídias digitais e pela uniformidade das informações que produzem. Desse modo, intenta-se explicitar como a criação pode revelar-se como um contra que arranca o Eu do ensimesmamento e que pode ser mobilizado para a constituição de um mundo amplo e comunal no qual o Eu e o Outro podem se reencontrar para juntos resistirem à própria erosão do Outro.

Tecnofilia e entretenimento: a atualidade de Huxley e outras distopias
Marcelo Capello Martins (PUC-Rio)

Diversas obras distópicas ganharam notoriedade no século XX. Seja com George Orwell, Ray Bradbury ou outro, o mundo mediado por tecnologias das mais avançadas é um ponto em comum. Se Orwell possuía uma visão um tanto totalitária e politizada de uma distopia por vir, Aldous Huxley apontava para um futuro onde o entretenimento e a supressão da dor, somados a um excesso de informação irrelevante, seria prevalecente. A apresentação aqui proposta tem como objetivo criticar a tecnofilia na atualidade, entendida como crença irrefletida nos benefícios tecnológicos, a partir da problematização da cultura do entretenimento constante. Referência importante nessa proposta, o pensador estadunidense Neil Postman afirma, no prefácio do livro “Amusing Ourselves to Death”, que a distopia descrita por Huxley é mais adequada para descrever a cultura americana do que a de Orwell, precisamente pelo fato de que todos os assuntos relevantes tomaram a forma de entretenimento, seja a economia, a política ou a ciência. Assim, discutiremos como as distopias que abordam o entretenimento constante podem ajudar a pensar os tempos midiáticos e tecnológicos que vivemos hoje, em conjunto com referências da filosofia, como Byung-Chul Han, autor de livros sobre o tema, e Jacques Ellul, pensador francês que foi importante referência para Postman.

Entre as poéticas computacionais e as humanidades digitais
Valéria Ramos de Amorim Brandão (UFMG)

A partir da análise da ambiência estética contemporânea conformada pelas tecnologias digitais disruptivas provenientes da aplicação da linguagem binária como denominador comum do fazer e do saber, busca-se examinar os modos de presença das construções estésico-comunicacionais descortinados a partir da poiesis computacional. Entende-se que o desenvolvimento e aplicação da linguagem binária permitiu, em extensa medida, a automação do fazer e das intervenções do Homo sapiens no mundo da vida, propiciando, como previsto por Flusser, a escalada da abstração seja dos instrumentos de manipulação, seja dos suportes predestinados às criações, ou mesmo do substrato utilizado para a configuração de construtos estésico-comunicacionais. Desse contexto emerge o universo peculiar composto por obras que vão além de seus atributos estéticos, atuando como modelo para o conhecimento. Paralelamente e em ressonância a essa via analítica, destaca-se como a digitalização da informação transforma em igual medida corpo e mente dos sapiens. Notadamente o composto estético homem-tecnologia descortinado por exemplo em ações ciborgues, num futuro estético pós-biológico, obrigam o repensar das concepções vigentes sobre a própria ontologia do humano. O que vem depois do sujeito? O que se esperar desse corpo-máquina passível de ser tecnicamente manipulado em busca de correção e/ou de aperfeiçoamento?

16H
Sala O-510
Fronteiras dos corpos
Mediação: Fernanda Proença
Corpo in progress
Aledyson D. Marques (UNICAMP)

Pretende-se abordar nesta comunicação uma concepção de “corpo vário”, inacabado, em processo, unidade múltipla em constante estado de variação plástica produzido na fronteira entre signos e corpos, na relação agenciamento-acontecimento, compreendida aqui atravessada pela linguagem e no funcionamento da enunciação. Pensamos que a subjetividade é mobilizada no acontecimento enunciativo pelo “lugar social de dizer”, descrição que compõe o conceito de lugares de enunciação e de agenciamento enunciativo desenvolvido por Guimarães (2002, 2018). Relacionando as colocações de Guimarães ao conceito Deleuze-Guattariano (1980) de agenciamento e o conceito de imagem-nua desenvolvido por Gil (1996), podemos considerar que, antes da formalização expressiva que efetua o acontecimento, o corpo, ao ser atravessado pelo eixo vertical de desterritorialização que compõe o agenciamento, sofre uma retroação do funcionamento da linguagem, o que acaba por desestabilizar a sua forma, fazendo com que perca o contorno. Sendo que, sua forma se reorganiza somente ao se reterritorializar em uma nova formalização expressiva, efetuada no acontecimento pela enunciação. Tal relação nos permite pensar uma estética da produção de si, que se fará numa relação de domínio sobre o estado sensível do corpo. Este estado sensível é a plasticidade do corpo habitada pela subjetividade produzida no acontecimento.

O nascimento de Vênus e o nascimento do Estado
Flávia Virgínia Santos Teixeira Lana (UFMG)

Esta pesquisa parte da pintura “O Nascimento de Vênus”, de Botticelli, para mostrar como a retomada do mito de Vênus pela arte renascentista se relaciona com o nascimento do Estado capitalista e com a moderna divisão sexual do trabalho. Junto à Silvia Federici, Joan Kelly e Aby Warburg, colocamos o período do Renascimento em suspensão, como o intuito de elucidar como a repetição da origem de Vênus, na virada do período medieval para a era moderna, parecem comungar de um mesmo princípio ou mesma finalidade que é o de editar o mito da deusa, segundo uma funcionalidade moderna. Esse período histórico é concomitante à pauperização da classe trabalhadora na Europa e o surgimento do Estado moderno que, dentre outras formas, exerceu-se como supervisor da reprodução humana, por meio da organização e disciplinarização das forças de trabalho através dos corpos. Vale também ressaltar que os artistas desse período eram financiados pelas monarquias vigentes e um dos agravantes desse momento histórico foi a crise populacional, por conta da expansão territorial pela colonização. Por isso, embora as obras que remontam ao nascimento de Vênus pareçam reproduzir os poemas antigos, notamos como é possível traçar diferenças em função de suas contextualizações, traços e repetições. A arte possui um lugar privilegiado, sobretudo no que tange a conceber lugares de diferença para novas repetições, e foi, desde sempre, um local de interesse para aqueles que ditam a história, distribuindo os corpos.

Inteligência artificial: entre alucinação e crítica
Luciana Nunes Nacif (UFMG)

Imagens geradas com a ajuda da inteligência artificial representam, num primeiro nível, uma camada visível à percepção humana, e se colocam como manifestações culturais. Num segundo nível, na camada maquínica, se tornam códigos decifráveis somente por computadores, e em diálogo direto com outras máquinas. E num terceiro nível, essas imagens e textos são construídos a partir de matéria, minerais, trabalho humano, cabos submarinos e enormes custos financeiros, energéticos e ambientais. Enquanto cria-se um hype em torno dessas imagens, suas outras dimensões permanecem profundamente invisibilizadas.

16H
Sala O-516
Dança
Mediação: Vladimir Vieira
Imagens-em-dança: o atlas e suas possíveis composições coreodramatúrgicas
Éden Peretta (UFOP)

A presente comunicação visa problematizar alguns dos fundamentos teóricos e filosóficos que subsidiaram a construção de um método singular de criação coreodramatúrgica em dança, gestado e atualizado em diferentes contextos de uma prática artística e pedagógica. Tendo as contribuições de Didi-Huberman como fio condutor do percurso teórico, alguns dos conceitos fundamentais das obras de Aby Warburg e Georges Bataille foram agenciados em suas dimensões operativas e epistemológicas, tornando possível instigantes contextos de criação artística junto a disciplinas de graduação e a um grupo de pesquisa universitário. Eis então que o Atlas, com a sua “forma visual do saber” e sua “potência intrínseca de montagem”, oferece-se como instrumento e paradigma para percursos de criação de imagens-em-dança.

Dançar: tornar visíveis afetos táteis
Cíntia Vieira da Silva (UFOP)

Em “Lógica da sensação”, Deleuze defende a concepção de que a pintura de Bacon constrói espaços hápticos, e não óticos. Isto quer dizer que a visibilidade das telas de Bacon é produzida por e para o tato, não pela visão nem unicamente – nem principalmente – para ela. Na medida em que a propriocepção depende eminentemente do tato, sobretudo para um corpo dançante, esta comunicação procura investigar a possibilidade de pensar o espaço produzido no ato de dançar como um espaço háptico. Tal hipótese coloca-se em sintonia coma ideia, defendida por José Gil, de que a dança não é um conjunto de movimentos que se desenrolam num espaço dado, mas a produção mesma do espaço da dança e do corpo dançante.

As palavras e os corpos: o civilizado e o selvagem em representações pictóricas do Renascimento
Izis Dellatre Bonfim Tomass (UFMG)

Na península itálica durante o período conhecido como “Renascimento”, variadas práticas de etiqueta cortesã já circulavam de modo prescritivo por entre a aristocracia, a qual delas se utilizava com o intuito de reafirmar ou alcançar determinado status perante os seus e, igualmente, frente ao estrangeiro. A prática da dança pelas cortes e repúblicas, uma vez que moldava tais corpos em formas e movimentos contidos, era item obrigatório; tanto para o treino, quanto para publicamente executá-la e aos presentes revelar um indivíduo cujo corpo e intelecto são consonantes a determinada compreensão racional de cosmos. Entretanto, a dança moderada não era a única que se dançava por aquele território: há de se sublinhar os diversos passos feitos fora dos limites das cidades, i.e., grosso modo, as danças camponesas que, por sua vez, não serviam a um projeto de contenção dos corpos, apresentando movimentos e formas mais livres. Precisamente por seu caráter mais solto, eram referidas pela aristocracia urbana como “selvagens”, que assim a nomeavam como o que seria o avesso dos movimentos por ela executados. O elemento pictórico, similarmente utilizado pela aristocracia para ali se inserir em poses, tons, posturas e símbolos que denotassem um poder essente, traçou também a dança como tema. Veremos, portanto, como tal conceituação de movimentos figurou pictoricamente, a fim de nela analisar como estava dada a cisão entre o que se denominava de corpo civilizado e corpo selvagem.

18H
Sala 2 Bloco P
Corpo e gesto
Mediação: Cíntia Vieira da Silva
A contemporaneidade de Benjamin e Brecht após o período histórico das vanguardas
Daniel Alves Gilly de Miranda (UFBA)

No debate alemão contemporâneo sobre o teatro, o nome de Brecht é geralmente visto como um negativo daquilo que se quer propor para os rumos de uma prática teatral que se emancipe dos parâmetros legados pelas vanguardas históricas. Por um lado, como na crítica encabeçada por Christoph Menke, Brecht conservaria em seus trabalhos uma concepção idealista de prática, sobre a qual se sustentaria a promessa de uma traduzibilidade da experiência corpórea do teatro para uma estratégia revolucionária racionalizada. Por outro lado, como na leitura de Hans-Thies Lehmann, a presença de um cosmos ficcional no teatro épico apontaria para o pertencimento desta forma ao universo simbólico da modernidade, o que atenuaria a radicalidade do gesto brechtiano como irrupção corporal, “pós-dramática”, em direção a um teatro liberto das convenções de uma tradição racionalista. A ambas leituras, gostaria de propor, com esta apresentação, uma reconsideração dos textos de Walter Benjamin sobre as obras de Brecht nos quais é apresentada uma concepção do gesto que não se esgota em sua aplicação no interior de uma apresentação ficcional. Ao contrário, Benjamin aponta para uma relação entre corpo e técnica no teatro épico que não só já questiona um modelo de modernidade problematizado pela discussão contemporânea, mas que também se posiciona neste debate como contraponto tanto a um teatro enquanto pura corporeidade não mediada (Lehmann) quanto a uma cerrada autonomia do drama (Menke).

Instauração: a potência do re-estesiamento no trabalho de Tunga
Maria Eduarda Cardoso de Melo Capotorto (PUC-Rio)

O trabalho analisa o conceito de instauração, proposto pelo artista brasileiro Tunga na década de 90, como uma resposta artística ao estado de anestesia apontado por Susan Buck-Morss em seu texto “Estética e anestética: o “ensaio sobre a obra de arte” de Walter Benjamin reconsiderado”. Nesse texto, a filósofa acrescenta pontos interessantes ao pensamento de Benjamin em “Sobre alguns temas em Baudelaire”, no qual o autor destaca a teoria dos choques como uma característica do modo de vida nas grandes cidades. Buck-Morss apresenta o funcionamento do sistema sinestético que trabalha na união das impressões do mundo exterior para a consequente expressão de um sentir subjetivo. Com a elevação da consciência, apontada por ambos como uma característica da vida moderna, tal sistema não serviria mais em prol de uma forma de cognição alcançada através do aparato sensorial do corpo. Numa busca por retomar o funcionamento desse sistema, o presente trabalho aponta as instaurações de Tunga como uma possibilidade. Compreendidas como a união das instalações plásticas e da performance, do que é estático e do que está em movimento, do atemporal e do efêmero. Esse modo de arte constitui-se de opostos que, ao atritar-se, fundam outra realidade no espaço expositivo, a qual deve ser percebida com todos os sentidos do corpo. Dessa forma, haveria um rompimento da barreira da consciência para que a experiência pudesse juntar-se às memórias e assim produzir um pensamento a partir do que foi vivido.

Crítica como subtração: Deleuze, Carmelo Bene e a gestualidade não representativa
Rafael Sellamano Silva Pereira (UFMG)

É uma característica marcante do cinema e do teatro de vanguarda a desnaturalização gestual do ator. Sobretudo em Brecht, o recurso a desnaturalização gestual visava tornar compreensível ao espectador o elemento sociocultural de determinação dos nossos gestos cotidianos, que se amoldam às demandas super exploratórias do mundo do trabalho. O objetivo de Brecht seria, dentre outros, deixar claro ao espectador que personagem e ator não se confundem, de forma tal que a empatia do público com a personagem, característica marcante do teatro dramático clássico, seja rompida e que, em seu lugar, apareçam as relações e conflitos sociais. O elemento normativo da própria representação, porém, mantêm-se intacto em sua estrutura dramática apesar da crítica social desvelada pelos conflitos. Deleuze, por sua vez, encontra no teatro de Carmelo Bene uma dimensão diferencial da crítica que não se apresenta mais como emergência dos conflitos e sim como subtração. Bene faz peças a partir da obra de outros autores (Shakespeare, por exemplo), subtraindo, porém, alguns de seus elementos centrais. Notadamente, Bene subtrai da peça original os elementos do poder, e, com eles, o próprio poder representativo do teatro. O objetivo dessa comunicação é elencar os elementos de variação contínua que, segundo Deleuze, caracterizam a gestualidade no trabalho de Bene, mas abrangendo o seu alcance para além do teatro, em direção ao cinema dos corpos descrito por Deleuze em seus livros sobre o cinema.

18H
Sala O-342
Artes, ética e política
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
Reintegração de acervos e teor de verdade
Fernanda Proença (UFMG)

Nos últimos anos, diversos museus conceituados foram obrigados a devolver peças de seu acervo a seus países de origem, por vezes após duras batalhas judiciais. Esses museus fazem parte do aparato cultural de países com histórico colonialista, cuja apropriação de artefatos de outras culturas a eles politicamente subjugadas compôs, durante séculos, o cabedal imagético essencial na sustentação de determinada efígie de nação. O assenhoramento dessas peças manifesta tanto superioridade bélica quanto legitima o projeto colonialista enquanto parte incontornável de um suposto progresso civilizatório. O retorno das obras a seus tutores de direito permite que essas comunidades detenham propriedade de sua própria história. Tais peças não são imunes aos efeitos dos processos políticos e jogos de poder que foram chamadas a protagonizar. Segundo Theodor Adorno, a obra de arte autêntica apresenta uma reiterada sedimentação sócio-histórica. Seu conteúdo é dinâmico na medida em que a crítica elabora sobre ela, atualizando seu teor de verdade a cada aproximação, o qual integra sucessivamente os desdobramentos históricos que a circundam. Nossa proposta é discutir, a partir de Adorno e utilizando exemplos concretos, como a história do próprio artefato, suas idas e vindas, altera drasticamente seu teor de verdade e desvela novas camadas imanentes de significação.

Para uma crítica do paradigma ético-estético do cuidado em Hal Foster
Josué Bochi (UFF)

A apresentação visa delinear, na obra recente do crítico Hal Foster, a constituição de um paradigma ético-estético centrado na ideia do cuidado, e questionar a possível insuficiência desse modelo, tensionando o imperativo do cuidado à incidência de um pensamento da violência. Em “O que vem depois da farsa?”, Foster argumenta que o longo projeto crítico de desmascaramento e de desconstrução conduziu a uma neutralização da crítica e a um maior domínio do consenso neoliberal. Amparado em Bruno Latour, Foster proclama que cabe hoje à arte e à crítica operar uma reconstrução cuidadosa e “criticamente eficiente” da realidade, evidenciada na renovação das práticas documentais e no advento de combinações entre representação e não representação que ele chama de “ficções reais”. Num momento histórico em que tanto a ideia de representação quanto a de não representação passam por algum descrédito e não são capazes de mobilizar grandes paixões, o paradigma do cuidado trata de reabilitá-las em conjunto, por meio da aposta no curto-circuito, em obra, entre a negatividade de algum acontecimento disruptivo e a reafirmação de um sentido do existente, preferencialmente compreendido em sua singularidade inegociável. Meu intuito é questionar o humanismo consensual latente nessa aposta, e propor, através da leitura de autores como Badiou e Rancière, que o jogo entre representação e não representação seja pensado para além de uma manifestação do cuidado.

Matadouro: dispositivo estético para o Real
Daniel Freire Leahy Guerra (UFBA)

O trabalho explora algumas relações entre estética, psicanálise e artes cênicas através da noção de Real, tal como concebida pelo psicanalista Jacques Lacan na última fase do seu ensino, e desenvolvida pelo filósofo brasileiro Vladimir Safatle no livro “A Paixão do negativo” (2006). No capítulo “Estética do Real”, Safatle aponta para a possibilidade de um pensamento estético que possa compreender a negatividade da “arte como formalização de objetos que mostrem a destruição dos protocolos de identidade e representação”, isso através de um entendimento do conceito lacaniano de sublimação, o qual Safatle lê como “um ponto de excesso” e “uma maneira de dar forma de objeto imaginário à contradição entre o fantasma e a coisa”. Através da noção de Real trazida para a estética, Safatle pensa formas artísticas contemporâneas que busquem uma “experiência do Real”, criação de uma imagem “que destrói a imagem”. Este trabalho busca seguir a mesma vertente, ao analisar a peça de dança contemporânea “Matadouro” (2010), do coreógrafo teresinense Marcelo Evelin. Tal investigação analisará como a peça em questão, por meio de dispositivos específicos, pode tensionar o campo da realidade ao abrir caminho a experiências do Real, trazendo, por meio disso, uma possibilidade crítica aos mecanismos fetichizantes do hiperespetáculo capitalista, tal como expressou Theodor Adorno ao dizer que “A arte é obrigada [a confrontar-se com o fetiche] devido à realidade social”.

18H
Sala O-510
Sublime
Mediação: Vladimir Vieira
As (des)continuidades históricas do sublime
Theo Machado Fellows (UFAM)

A trajetória histórica do conceito estético do sublime é marcada, acima de tudo, por descontinuidades. Por séculos esquecido em um tratado de retórica do início da Era Comum, o sublime, após sua reaparição nas discussões do neoclassicismo francês e nas reflexões dos empiristas britânicos, assume um lugar de destaque na estética kantiana. Contudo, o debate sobre o sublime perderá força ao longo do século XIX, ressurgindo de forma intensa apenas na segunda metade do século XX através dos manifestos de Barnett Newman e dos comentários de Jean-François Lyotard. O hiato histórico, durante o qual o sublime é supostamente ignorado, é, contudo, marcado por diversos conceitos que podem ser aproximados do conceito formulado por Kant e ampliado por Schiller: como exemplos, podemos citar a cesura hölderliniana, o infamiliar freudiano e o sem-expressão benjaminiano, sem falar nos diversos artistas cujas obras podem ser aproximadas do modelo da apresentação negativa de Kant. Diante do breve panorama aqui exposto, o presente trabalho buscará mapear a continuidade silenciosa do conceito do sublime durante seu aparente hiato e, diante dos resultados obtidos, responder a uma indagação que se faz necessária: será legítima a utilização pós-moderna do conceito do sublime, ou será será este conceito intransferível para os dias atuais?

O conflito do sublime kantiano na terceira crítica
Giana Claudia de Castro Araujo (UFF)

Trata-se do debate decorrente de alguns resultados da dissertação de mestrado intitulada “O sublime kantiano e a arte”, defendida no programa de pós-graduação da UFF em 2022, na seguinte perspectiva: há um conflito entre a descrição fenomênica do sublime e os seus objetos na terceira crítica. Onde está o fio que liga uma afirmação de que “o sublime não está nos objetos”, ou ainda “não se deve encontrar o sublime na arte”, presentes na “Analítica do sublime”, e uma farta relação de objetos sublimes descritos nas “Observações gerais sobre o juízo reflexionante estético”? Trata-se do encontro entre o filósofo, em seu período crítico, com uma tradição, e algo de suas ideias pré-críticas do ensaio “Observações sobre o sentimento do belo e do sublime”, de 1864. Para cumprir este objetivo, tomando a terceira crítica como fonte, traça-se o caminho de confrontar duas perspectivas em que o sublime aparece na obra: a primeira como manifestação pura de um juízo reflexionante estético singular e a segunda como qualidade de coisas, com destaque para um papel bastante específico, que para alguns autores é secundário, quando se trata da arte.

O sublime em Pseudo Longino: um elogio aos clássicos de outrora
Bruno de Figueiredo Alonso (UFRJ)

No tratado Περὶ ὕψους (“Do sublime”), Pseudo Longino desenvolve um longo estudo que visa estabelecer uma definição para o sublime (ὕψος). Para ele, o sublime se esvaiu em seu tempo, como consequência do degradante apego de seus contemporâneos aos prazeres e bens materiais. Uma obra sublime não é produzida apenas pela beleza da linguagem e do estilo, mas pela excelência do caráter de quem a produz. Ela transcende os limites espaciais e temporais, apreciável pelos homens nos mais variados contextos históricos. Para que um escritor erga sua obra ao sublime, é indispensável que se concentre na posteridade. Os grandes textos clássicos são modelos literários e morais. A atitude sublime se perfaz mediante uma emulação das grandiosas referências do passado, tal como Homero e Platão. Esta apresentação tratará do escopo da obra de Pseudo Longino, da compreensão de que o sublime tange um vasto campo do saber que engloba estética, ética e política.

18H
Sala O-516
Gilda de Mello e Souza e a estética no Brasil
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
A crítica de arte e a estética pobre de Gilda de Mello e Souza
Taisa Helena Pascale Palhares (UNICAMP)

O objetivo da minha apresentação é investigar a ideia de “estética pobre” tal como elaborada pela crítica de arte e ensaísta Gilda de Mello e Souza (1919-2005). Em primeiro lugar, parte-se da análise do texto “A Estética rica e a estética pobre dos professores franceses” (1972), no qual a autora realiza um balanço de sua formação como uma das primeiras alunas do curso de Filosofia da Universidade de São Paulo que teve como mestres os franceses Jean Maugüé, Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide, e no qual apresenta uma noção de “estética pobre” como uma possível “estética brasileira”. Na sequência, mediante exemplos retirados de sua produção ensaística, busca-se aprofundar esse conceito a fim de compreender como Mello e Souza opera seu sentido pelo exercício da crítica de arte.

A filosofia de Gilda de Mello e Souza aos olhos de Bento Prado Júnior: imaginação e conhecimento à margem do capitalismo
Carlos Henrique dos Santos Fernandes (UFSCar)

Suponho que Bento Prado Júnior, ao analisar a dimensão filosófica dos ensaios de Gilda de Mello e Souza, inspirou-se sobretudo na afirmação, aparentemente paradoxal da filósofa brasileira, de que a imaginação é uma forma de saber. Dito isso, procuro, em primeiro lugar, contextualizar a referida afirmação da autora de “O espírito das roupas” (1951/1987) e, em seguida, analiso três distintos momentos em que Prado Júnior a retoma, oblíqua e/ou perfunctoriamente, a saber: em “As filosofias da Maria Antonia” (1956-1959), na memória de um ex-aluno (1988), em “Imaginação e interpretação: Rousseau entre a imagem e o sentido” (versão preliminar) (1990) e em “Entre Narciso e o colecionador ou o ponto cego do criador” (2006). A partir da análise desses textos, arrisco dizer (se os li corretamente) que nosso filósofo brasileiro conseguiu, ensaisticamente, vislumbrar em Gilda de Mello e Souza uma filosofia que, à margem do capitalismo, tanto ampliou a noção de forma quanto enriqueceu a noção de simbolismo.

Gilda de Mello e Souza extática na metrópole
Rafael do Valle (UFSCar)

Nesta comunicação, percorreremos a São Paulo da filósofa brasileira Gilda de Mello e Souza (1919-2005), examinando a presença da capital paulista em sua vida e, sobretudo, em seus ensaios, reunidos em “Exercícios de leitura” (1980) e “A ideia e o figurado” (2005). Gilda de Mello e Souza, criada em uma fazenda no interior de São Paulo, saiu da casa de seus pais, em 1931, para dar prosseguimento aos seus estudos na capital, instalando-se na casa de seu primo Mário de Andrade. Em 1937, ingressa na Universidade de São Paulo, bacharelando-se em Filosofia em 1939. Nesse período, flanou por São Paulo, junto aos companheiros da revista Clima. À época, a capital paulista já não era mais a “pauliceia desvairada” de Mário de Andrade. O Modernismo havia triunfado, e as provas estavam nas construções, na decoração das casas, nas festas. Quem viveu esse período pôde ainda frequentar companhias europeias de teatro e de balé instaladas na cidade, além de uma exposição de pintura francesa, que se tornou o ponto de encontro de artistas e intelectuais paulistas. São Paulo, então, não era mais uma província, mas uma metrópole. Toda essa efervescência, conforme mostraremos, foi testemunhada e transmutada pela filósofa brasileira para os seus ensaios.

20H
Auditório Bloco P
Reunião ABRE
Reunião da ABRE
Reunião com os membros da Associação Brasileira de Estética (ABRE)
08/11
qua
10H
Auditório Bloco P
Plenária Nuno e Moacir
Mediação: Pedro Duarte
A estratégia do combate: a crítica de arte diante do seu fim
Nuno Crespo (UCP-Lisboa)
Negros na piscina: Arte, violência e felicidade
Moacir dos Anjos (Fundação Joaquim Nabuco)
14H
Sala 2 Bloco P
Estética e povos originários
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
O enigma de Farnese: arte e reencantamento
André Bambirra Vaillant (UFMG)

Esta comunicação parte da noção weberiana de “desencantamento do mundo”, presente na obra do sociólogo da década de 1910 em diante. Tomamos o termo nas duas acepções complementares identificadas por Pierucci (2013), ou seja, aquela de “desmagificação” e de “perda de sentido” (Sinnverlust), como utilizado na “Ciência como vocação” (1917). Depreendemos, portanto, que o paradigma técnico-científico do racionalismo ocidental empreende uma redução epistemológica dos seres e objetos – e em última instância, do mundo e da alteridade –, como elucidado por Viveiros de Castro (2002), em contraposição ao pensamento selvagem, mágico porque animista (“beseelende”). Essa “objetivação” (Viveiros, id.) absoluta instaurada pelo racionalismo moderno vai, portanto, na direção contrária àquela inerente à lógica artística, que consiste em imbuir os objetos de significado – não por acaso, na terceira parte do ensaio acerca do tabu e do totem (1913), Freud considera justa a comparação corriqueira dos artistas aos feiticeiros (2012, p. 143). Propomos a contraposição entre esses dois modos de pensar e relacionar-se com os objetos como chave interpretativa das assemblages de oratórios de Farnese de Andrade. Para sustentá-lo retomamos os estudos dos artefatos de Marcel Mauss (1925) e a noção de bricolagem da primeira parte de “O pensamento selvagem”, de Lévi-Strauss (1962), procurando apresentar a assemblage de Farnese como dispositivo artístico de reencantamento de objetos e, coextensivamente, mundo.

Por uma ontologia da arte dos povos originários do Brasil
Eliana Henriques Moreira (UFT)

O nosso objetivo aqui é dialogar com nossa diversidade artístico cultural a partir do encontro com as artes dos povos originários brasileiros, abrindo espaço para o reconhecimento e valorização das múltiplas manifestações do fenômeno artístico e como convivem hoje tradição e modernidade. Para tal, buscaremos apoio na ontologia da arte heideggeriana, já que esta filosofia se torna um horizonte interessante para a compreensão do fenômeno artístico nas sociedades ameríndias, já que, nestas sociedades, têm-se por um lado, a constante presença da “arte” no cotidiano da vida destes povos, por outro lado, a inexistência de termos similares ao da arte ocidental e também da estética. Sendo assim, a arte está para além de um ideal de beleza a ser alcançado, muito embora, não deixe de o ter, mas não é essa a dimensão primordial que rege esse “fazer”, essa criação. Essa dimensão fundamental, ao que parece, está muito mais próxima daquilo que Heidegger aponta em sua ontologia da arte como o papel originário desta, que está em promover um sentimento de pertencimento, um modo de vida em comum a um grupo, o que torna possível uma habitação, um (de)morar-se no mundo. Nossa reflexão busca priorizar esta compreensão da arte na medida em que esta ocupa esse papel fundamental, de união de um grupo, de pertencimento a partir da verdade instaurada pela obra.

Tecendo relações entre a etnografia de Cusicanqui e a obra "A queda do céu"
Luana Goulart (UECE)

A proposta desta comunicação é apresentar algumas considerações sobre a relação entre a estética e a etnografia. Nesse sentido, pretende-se investigar em que medida as considerações realizadas por Silvia Rivera Cusicanqui sobre o trabalho etnográfico anticolonial podem contribuir para pensarmos o livro “A queda do céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert. Em um primeiro momento, serão apresentados certos pontos interessantes desenvolvidos por Pedro Hussak em “Algumas inquietações sobre estética e etnografia” a respeito de importes políticos e epistemológicos da tradução. Em seguida, eles serão brevemente considerados à luz de propostas da socióloga boliviana Silvia Rivera Cusicanqui em seu texto de 2006 ”El potencial epistemológico y teórico de la historia oral: de la lógica instrumental a la descolonización de la historia”. Estas duas etapas do texto constroem a base sobre a qual serão apresentadas sugestões para reflexões ulteriores a respeito do estatuto de “A Queda do Céu” enquanto uma peça etnográfica em que ocorrem os fenômenos aqui descritos como falar por e falar com, em suas múltiplas e comunicantes acepções.

14H
Sala O-342
Cânone literário e história
Mediação: Marcela Oliveira
O romancista Sade: aprendiz de Hume, Burke e Diderot
Clara Carnicero de Castro (PUC-Rio)

Os romances clandestinos de Sade são, frequentemente, interpretados a partir do “sadismo”. A elaboração dessa psicopatia por Krafft-Ebing não levou, porém, em consideração nenhum aspecto estético da obra esotérica sadiana, transformando o homem de letras no “perverso”. Opondo-se ao procedimento do psiquiatra, esta comunicação pretende aplicar elementos da estética de Hume, Burke e Diderot ao trabalho romanesco de Sade. O objetivo é mostrar que aquilo que Krafft-Ebing decidiu chamar de “sadismo” nada mais é do que o efeito das escolhas de um romancista atento à arte de seu tempo. Por trás das orgias sangrentas entre libertinos, há um artista que joga com a disposição das circunstâncias e com a mobilização de cenas chocantes para despertar e interessar o leitor. É um trabalho delicado, que exige atenuações estratégicas, pois o interesse deve ser mantido enquanto o choque se intensifica. Daí a criação de personagens que incitam paradoxalmente simpatia e antipatia, submergindo o leitor num estado misto e inexplicável de fascínio e revolta. Como exemplo desse procedimento, utilizarei um dos piores vilões de Sade, o personagem Saint-Fond do romance “História de Juliette” (1801).

Shakespeare e a mímesis
Felipe Tuller (UFF)

Para a crítica, a tragédia Hamlet aparece como uma espécie de “espelho” para aquele que o lê, devolvendo ao leitor algo velado de seu íntimo. Nas palavras do próprio Hamlet, “o intuito da representação, cujo fim, desde o início até agora, foi e é exibir um espelho à natureza”. Já no ensaio “O mundo da arte”, Arthur Danto usa Hamlet como contraponto à teoria platônica de uma arte cujo propósito fosse criar “imagens miméticas” idênticas à natureza. No artigo, o autor comenta que Hamlet e a arte são espelhos de outro tipo: “[Hamlet] nos mostra o que, de outro modo, não poderíamos perceber – nossa própria face e forma – e, do mesmo modo, a arte, na medida em que ela é como um espelho, nos revela a nós mesmos”. Neste trabalho, trataremos também de uma reflexão bastante presente na obra de Shakespeare: os múltiplos espelhamentos produzidos entre a figura do ator e a do personagem por ele representado na qual a metáfora do espelho se multiplica se observarmos o tratamento dado pelo dramaturgo aos seus personagens; nas comédias, os recursos do disfarce e a troca de gênero das personagens apontam para a tênue relação entre o que é encenação e o que é ação humana, nas quais estas instâncias se confundem e se embaralham, deixando indistinto aquilo que é reflexo e o que não é. Ao mesmo tempo que parece aumentar a visão, o espelho de Shakespeare também parece apontar uma noção de vida humana entendida enquanto um “ato imitativo”.

As raízes da filosofia do trágico na poetologia aristotélica
Guilherme Marconi Germer (UNICAMP)

Szondi, Taminiaux e Machado defendem que a filosofia do trágico (iniciada com Schelling, e que passa a ver a tragédia como um documento ontológico-metafísico, em que se expõe “a obra do próprio ser, entendido seja como identidade, espírito, vontade, etc.”) se destaca da poetologia aristotélica como uma ilha do continente. Taminiaux crê que isso se deve a uma “predileção” sua por Platão e “em detrimento de Aristóteles”. Eles enfatizam, com isso, o método: enquanto Aristóteles analisa a poesia de modo empírico, classificatório e normativo, a filosofia do trágico recupera a especulação metafísica platônica. Testaremos aqui uma nova perspectiva de enraizamento: afinal, as semelhanças no conteúdo e conclusões de um pensamento não são mais importantes de que seus métodos? Platão defendeu o oposto dos trágicos: que a tragédia, como é realizada por seus grandes expoentes, não deve ser aceita na politeia; enquanto Aristóteles foi o primeiro a valorizá-la como “superior” aos demais gêneros poéticos, fonte de prazer e aprendizado. Sua superioridade se deve a três aspectos bastante aprofundados pelos trágicos: grandeza (subjacente ao conceito schellingiano de sublime trágico), catarse (que prevê as ideias de purificação trágica de Hölderlin, Schopenhauer e Nietzsche), e trama unitária (que antecipa a visão schopenhaueriana de que por esse recurso a tragédia é o ápice das artes representativas). Pretendemos esboçar as linhas gerais desse giro de perspectiva.

14H
Sala O-510
Rancière
Mediação: Pedro Franceschini
Rancière e Foucault nas fronteiras políticas da estética
Bruno Almeida Guimarães (UFOP)

O objetivo desse trabalho é mostrar que, apesar das influências marxistas herdadas de seu professor Louis Althusser, é a reflexão crítica de Foucault que sustenta fundamentalmente as discussões sobre o caráter político e emancipatório da estética de Jacques Rancière. Pretendemos mostrar, sobretudo, que o papel atribuído por Rancière à literatura na superação das divisões e hierarquias sociais, ou na invenção de novas formas de coexistência num mundo sensível comum, em textos de diferentes fases de sua elaboração teórica, como em “A noite dos proletários”, “A partilha do sensível” e “As margens da ficção”, pode ser melhor compreendido a partir das estratégias de resistência ativa dos novos modos de subjetivação e da estética da existência de Foucault.

A pensatividade da fotografia e política
Clara Leite Lisboa (UFS)

O objetivo da presente pesquisa é analisar, dentro do pensamento de Jacques Rancière, se a pensatividade é o caráter político da fotografia. Tal objetivo será construído dentro de um dos três regimes de arte apresentados pelo filósofo, qual seja, o regime estético da arte, tendo em vista que é somente dentro desse regime de visibilidade que a imagem é pensativa. Para Rancière, política diz respeito ao rompimento de uma ordem reestabelecida pela partilha do sensível, sendo a política fruto do encontro entre a lógica da igualdade e a lógica da polícia. A relação entre política e estética implica dizer que são conceitos consubstanciais, de modo que a partilha do sensível compõe uma estética em sua base, ao passo que a estética possui um elemento político em sua essência. A fotografia traz em sua natureza o caráter político por ser pensativa e essa pensatividade é resultante do paradoxo apresentado pela relação entre o enigma e a banalidade social presentes, ao mesmo tempo, na imagem fotográfica. Para alcançar tal análise, foram elaborados como objetivos específicos a apresentação, segundo Rancière, da noção de política; a análise da relação repartilha do sensível e regime estético da arte, sob a ótica de Rancière, e a investigação da relação fotografia, pensatividade e política.

Entre a estética e a política: a questão do sujeito em Rancière e Derrida
Daniela Cunha Blanco (USP)

O pensamento estético de Jacques Rancière é indissociável da política ou do que denomina de partilha do sensível, a saber, um recorte dos tempos e espaços que diz respeito à distribuição dos corpos em sociedade, à determinação daquilo que é visível e daquilo que é aceito como parte de uma comunidade. Nessa fronteira entre a estética e a política, seu pensamento nos mostra como qualquer comunidade política, real ou imaginada, passa pela questão da constituição de um espaço no qual é pelo sensível e pela percepção que as divisões entre as diversas existências se dão. Rancière concebe uma noção de sujeito ou de subjetivação política cujo sentido é a de um efeito de sujeito, ou seja, um sujeito que não é constituinte e anterior a tudo – como o sujeito metafísico –, mas, antes, um sujeito constituído na partilha do sensível e na comunidade do logos. A partir de um diálogo com Jacques Derrida – para quem o sujeito é também pensado enquanto efeito, em sua desconstrução do que denomina de logocentrismo –, pretendemos apontar um limite do pensamento estético e político de Rancière. Tendo como ponto de partida que o logocentrismo é um sistema de pensamento que domina os campos ético, político, jurídico e estético, Derrida aponta a necessidade de se pensar o sujeito ou o efeito de sujeito para além da capacidade de partilha do logos, abrindo, com isso, a possibilidade de uma crítica ao pensamento de Rancière e de uma abertura dos campos político e estético para uma alteridade radical.

14H
Sala O-516
Arte brasileiras nos anos 1970: crítica, corpo, resistência
Mediação: Vladimir Vieira
Escutando Caetano na pandemia: o corpo melancólico, experimental e erótico
Pedro Duarte (PUC-Rio)

Em 2020, escrevi o livro “A pandemia e o exílio do mundo”, no qual tentei entender o que significava este estranho exílio para dentro de casa, e não para fora da pátria, ocasionado pela exigência de isolamento social. Nesse exílio, a música foi minha companheira, mas, ao escutar velhas canções conhecidas, elas adquiriam novo sentido, como aquelas de Caetano Veloso nos anos 1970, ou seja, depois do exílio político ao qual ele foi forçado pelo governo ditatorial em vigor no Brasil, que o prendera no fim de 1968. Caetano não apenas narrou a experiência em “Terra”, de 1978, como deixou clara sua melancolia em um disco como “Transa”, de 1972. De volta ao Brasil, foi quase em um isolamento que, só, fez o disco “Araçá azul”, de 1973, trabalho muito experimental. Nele, incorporou a poesia concreta; da qual um dos autores, Augusto de Campos, foi o primeiro a reconhecer-lhe a importância antes mesmo de 1968 e do Tropicalismo. Depois disso, porém, os discos de Caetano abraçaram também um corpo festivo e erótico, como na canção “Odara” ou no projeto coletivo de “Os doces bárbaros”, que fala do avesso do exílio do mundo – eles querem “gente”. Esta comunicação acompanhará registros desse corpo melancólico, experimental e erótico na obra de Caetano Veloso nos anos 1970.

Artur Barrio: arte conceitual e corpo
Luiz Camillo Osorio (PUC-Rio)

Figura chave na arte contemporânea, Artur Barrio (1945) tem um papel determinante na arte brasileira, deslocando o paradigma concreto/neoconcreto, trazendo uma pulsão Dada e um tônus trágico bastante marginal naquele contexto. A apropriação das estratégias conceituais em Barrio acabou por inverter a denominada desmaterialização e introduziu nelas uma materialidade ao mesmo tempo erótica e sombria. Discutirei a relação inicial com a arte conceitual na década de 1970, através dos registros e dos cadernos-livros, para perceber o desenvolvimento original de sua poética.

Antonio Dias: o avesso do grau zero
Sérgio Martins (PUC-Rio)

O início do diálogo de Antonio Dias com a arte conceitual passa por um subgênero muito específico desta: o projeto como arte. Dias participa de diversas exposições dedicadas a projetos irrealizados – ou mesmo irrealizáveis. Mas o contraponto à arte conceitual não explica por si só sua insistência aparentemente idiossincrática na pintura como meio principal de sua obra. Para isso, é preciso examinar como o artista se equilibrava entre a crítica a um certo conceitualismo e outro diálogo, também crítico, com vertentes da pintura europeia que buscavam responder ao radicalismo conceitual através de uma redução igualmente radical da própria pintura.

16H
Sala 2 Bloco P
Brasil e descolonização
Mediação: Bruno Guimarães
Da Tropicália à Marginália: continuidades e rupturas em dois álbuns emblemáticos de Caetano Veloso
Guilherme Granato (UNINOVA)

A comunicação traçará um paralelo entre dois momentos emblemáticos da produção musical do compositor Caetano Veloso, os álbuns “Tropicália ou Panis et Circenses”, de 1968, e “Araçá Azul”, de 1973. O objetivo é identificar os pontos de continuidade e ruptura entre os dois álbuns, que remetem não só a momentos distintos da carreira do compositor, como também a configurações diversas no âmbito geral da produção cultural e artística brasileira. Algumas características distintivas da arte brasileira da primeira metade da década de setenta servirão de base para a análise dos álbuns, dentro do período geralmente denominado pós-tropicalismo, entre elas: o deslocamento da crítica social e política do tema aos procedimentos, o elogio de certa posição marginal em relação ao mainstream cultural e político e a exaltação da noção de invenção como eixo propulsor das obras. Tendo como base estas diretrizes operacionais, realizaremos uma análise dos referidos álbuns no intuito de iluminar suas semelhanças e diferenças, priorizando os seguintes elementos: as condições de produção, a estruturação formal das canções, a utilização criativa de recursos técnicos de gravação e edição sonora e o uso de procedimentos transfonograficos.

Exu-Adorno: para uma teoria crítica do samba
Lucas Lipka Pedron (UFPR)

Todo produto artístico é simultaneamente expressão e produção da cultura que o abriga e desvela suas contradições. Com base neste postulado, busca-se entender o samba como cultura não-hegemônica e historicamente silenciada, mas que irrompe pelas fissuras e contradições da sociedade e da indústria cultural que o coopta, mercantiliza e silencia. Elementos como a síncope, figura rítmica que o caracteriza, a cadência do canto lírica, e temática das letras, são analisados como expressões do não-capturável pela lógica da estereotipia e da repetição, assim como índices da ruptura frente a uma arte pseudoelitizada e puritana que associa manifestações artísticas, corporais, religiosas e sensoriais ditas periféricas ao pecado, ao desvio e ao profano. Contra uma arte que se separa do mundo, o samba, nascido dos cantos de Exu e dos orixás, opera no mundo e exibe em si não o que o mundo deveria ser, mas as imperfeições do que ele é, do que poderia ser e do que deixou de ser, assim como reclamado por Adorno em sua “Teoria Estética”, e aponta para o tempo messiânico benjaminiano, de resgate dos oprimidos.

A escola de samba no museu: carnaval e ancestralidade na arte contemporânea
Rafael Silva Lemos (Yale)

O Carnaval é presença constante no imaginário da arte contemporânea brasileira: os parangolés de Helio Oiticica são exemplo emblemático disso. Em 2021, a “Bandeira Brasileira”, obra concebida pelo artista carnavalesco Lenadro Vieira como parte do desfile da Mangueira de 2019, foi exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 2023, foi a vez da bandeira “Por um novo nascimento”, de autoria de André Rodrigues e Alexandre Louzada e apresentada no desfile da Beija-Flor de Nilópolis do mesmo ano, figurar no mesmo MAM. Também em 2023, “Ourubu”, criação de Mulambö e Max Müller feita no barracão da Unidos de Vila Isabel, foi exposto na Galeria Gustavo Schnoor da UERJ. Diferentemente da obra de arte total wagneriana, o Carnaval surge nessas obras como uma “relação” nos termos postos por Glissant, como uma acumulação de sedimentos, uma completude ou totalidade não-absoluta, enraizado e aberto desde sua ancestralidade. Através dessas obras, queremos investigar o Carnaval como uma afrografia que, a partir de sua potência estética é capaz de organizar e desencadear interpretações do real emancipatórias e afrocentradas.

16H
Sala O-342
Fronteiras entre arte e política
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
Quando manter as fronteiras permite uma melhor inter-relação: Sartre e o contraponto entre engajamento e militarização da arte
Thana Mara de Souza (UFES)

Se o risco é de separar o que deve se comunicar, a manutenção das fronteiras, por outro lado, pode ser fundamental para ressaltar a importância dos diferentes modos de pensamento, comunicação e expressão. Nesse sentido, a filosofia de Sartre propõe a saída das dicotomias (ou são distintos ou se comunicam) e a compreender a inter-relação entre real e irreal sem a anulação de suas fronteiras. É para o que a conferência dada no Congresso Mundial pelo Desarmamento Geral e pela Paz em Moscou, em 1962, atenta: com o título de “A desmilitarização da cultura”, o filósofo critica o uso militante da cultura por artistas e intelectuais, e incita a um desarmamento, a deixar de pensar na arte como artilharia de uma guerra de trincheiras ideológicas (a Guerra Fria) e a voltar à compreensão de que o universal se alcança nacional e particularmente, por meio de passagens e diálogos que recuperem o engajamento da arte sem confundi-lo com a militarização. A proposta da apresentação é discutir, com base na conferência e no livro “O imaginário”, a distinção entre o que o filósofo chama de engajamento (manutenção da fronteira que é, ao mesmo tempo, a impossibilidade de separar totalmente imaginário e real, estética e ética) e militarização (a anulação da fronteira, que se torna a submissão de um lado a outro) da arte. O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) – Número T.O. 816/202.

Entre a atividade artística e as reflexões políticas de seu fazer: o exemplo de Hito Steyerl
Mayara Franca Moreira (USAL)

A proposta desta apresentação é analisar o desenvolvimento político e crítico da produção artística e teórica da artista, cineasta e filósofa alemã, Hito Steyerl, que através de seus ensaios, performances-conferências, videoinstalações e documentários apresentam interseções e diálogos interessantes entre as fronteiras da arte, da política e da tecnologia. A matéria prima de sua produção artística é o mesmo tema no qual se dedica a pensar, escrever e criticar: o desenvolvimento, a circulação, a pós produção, o impacto e o consumo das imagens digitais -que se generalizou através dos usos dos aparatos tecnológicos e da internet – no contexto da arte contemporânea que já foi fagocitada pelo mundo hipercapitalista, globalizado, tecnológico, estetizado e pós-democrático no qual a humanidade do século XXI está imersa hoje. A partir deste tema central, a artista reflete sobre as questões do trabalho, do mercado e da produção da arte contemporânea, da estetização da vida humana através da autoperformatividade e autoexposição na internet e sobre sua própria produção artística, colocando-a como um lugar de experimentações para desenvolver ou provar ideias. É nesta tentativa do seu trabalho que se costura arte-política, arte-realidade-ficção, sendo espaço de denúncia, crítica e reflexão de si, da cultura e do mundo. Sua arte não pode ter nenhuma outra obrigação a não ser o seu próprio ativismo para ser resistência e utilizando-se da prática a qual critica: a representação cultural.

A noção de História universal na obra de Euclides da Cunha
Jorge Luiz Costa Sales Sá (PUC-Rio)

O presente projeto tem um propósito duplo: o de, em primeiro lugar, mapear as influências da filosofia positivista sobre a primeira fase da obra de Euclides da Cunha, identificável a partir do uso de categorias interpretativas fundamentais, tais como as de “História universal” e a de “progresso”; e também o propósito de, em segundo lugar, pensar a dimensão filosófica daquilo que a crítica literária Walnice Nogueira Galvão chamou de “reviravolta de opinião”, ou seja, a percepção, por parte do escritor, da inadequação de tais categorias para interpretar os acontecimentos e conflitos políticos do Brasil. A obra “Os Sertões” seria um registro literário dessa reviravolta – o momento em que Cunha passa a enxergar uma singularidade no fenômeno nacional, e passa a considerar deletério o viés interpretativo que via em Canudos “a nossa Vendeia”. Além de livro-denúncia contra a vilanização dos conselheiristas, “Os Sertões” tem uma importante dimensão filosófica: é um ensaio sobre as razões da necessidade de um pensamento enraizado para pensar as questões do Brasil.

16H
Sala O-510
Artes plásticas no Brasil
Mediação: Fernanda Proença
Do potencial estético-político na arte de Rosana Paulino
Alice Lino Lecci (UFR)

Esta comunicação pretende elaborar uma crítica sobre as obras da artista visual, pesquisadora e educadora Rosana Paulino (1967), intituladas: “Assentamento” (2013), Livro de artista “¿História natural?” (2016) e “Das avós” (2019). Nesta análise, são considerados os aspectos formais e conceituais relacionados às linguagens artísticas da instalação, do livro de artista e da performance, respectivamente, bem como se discute o potencial estético-político das referidas obras, no tocante às formas de representação da mulher africana no final do século XIX e as intervenções realizadas pela artista em torno dessas imagens a fim de ressignificá-las na atualidade. Consideram-se igualmente alguns aspectos históricos relacionados à diáspora africana no Brasil, bem como o pensamento da mulher negra brasileira, na voz de Lélia Gonzalez, Neusa Santos e Sueli Carneiro, visto que as obras em questão, cada uma a seu modo, compreendem a representação da resistência e da humanidade das mulheres negras. Ademais, discutem-se determinados conceitos da Estética, em especial, a partir da perspectiva de Susanne Langer e Vilém Flusser, de modo a refletir sobre a possibilidade da formação/educação dos sentimentos, no campo ético e político, por meio da fruição da arte.

De Mario Pedrosa a Histórias Mestiças: como as exposições têm lidado com nossa cultura?
Rosa Gabriella de Castro Gonçalves (UFBA)

Em seu retorno ao Brasil após anos de exílio, Mario Pedrosa encontrou uma cena artística muito diferente daquela que existia antes de sua partida, muito mais aberta ao experimentalismo e extremamente inovadora. Foi neste momento que Pedrosa passou a questionar a história da arte eurocêntrica e a se interessar pela arte afro-brasileira e pela cultura indígena, que se constituíram os pilares de seu projeto para o Museu das Origens, como proposta para reconstrução do MAM-RJ. Neste projeto, a arte moderna entraria em diálogo com os eixos arte bruta, arte indígena, arte moderna, arte afro-brasileira e arte popular, tendo inspirado a Mostra do Redescobrimento no ano 2000 que, por sua vez, inspirou a mostra Brazil Body and Soul no ano de 2001 em Nova York. Mas em que medida exposições que justapõem objetos da cultura material de períodos diversos e obras contemporâneas desafiam as narrativas ocidentais baseadas em hierarquias já cristalizadas? Nestas exposições o que vemos são comparações entre diferentes modernismos, ou persistem as comparações entre o modernismo europeu e as culturas “primitivas “que os inspiraram?

Bordear pelas ruas, olhar o outro de frente, vendo-o em seus ritmos, movimentos e cores: Consolidação de estética etnográfica do signo artístico de Carybé
Waldelice Maria Silva de Souza (UFBA)

Carybé, artista plástico do modernismo baiano, nasceu no subúrbio de Buenos Aires, em Lanús (Argentina), em 1911, naturalizou-se brasileiro (em 1953), viveu a maior parte de sua vida na Bahia. O artista não é só importante para história da arte da cidade, estado e país, como é um estudioso importante que constitui um tipo de pesquisa empírica, etnográfica que se dá pela visita a espaços, acontecimentos e pessoas, enquanto registra ou documenta por desenhos ritos, movimentos de corpos de um lugar identitário da cidade de Salvador. Nesse aspecto, Carybé criava “realidades”: a que expressava pelo que via; e, a que transfigurava, a que criava. Para estudiosos há aproximação que artista estabelece entra arte e etnografia se constitui pela valorização da experiência; pelo contato com elementos reais no exercício da vida cotidiana dispersa pela cidade de seu encantamento; e das pesquisas artísticas de outras vertentes e da etnografia. Na verdade, Carybé se situa entre campos, numa perspectiva interdisciplinar. Em que as ações artísticas promovem implicações antropológicas e não o contrário. É pela organização conotativa do mundo que Carybé se move. É esse o gancho de sua disposição perceptiva e expressiva. A disposição dessa proposta é considerar as características de produção e reflexão sobre o fazer artístico e a identidade do outro visto, transfigurada na peça artística. Por onde se pretende demonstrar a consistência artística e teórica de Carybé.

16H
Sala O-516
Schiller e Goethe
Mediação: Cíntia Vieira da Silva
Goethe e Schiller: em torno da objetividade do belo e da arte
Pedro Augusto da Costa Franceschini (UFBA)

É famosa a afirmação hegeliana, na introdução de seus “Cursos de estética”, que reconhece em Schiller um momento medular da filosofia alemã clássica, por ter procurado ultrapassar os limites subjetivos da filosofia kantiana. Com efeito, a busca por uma formulação objetiva do belo estrutura parte importante das investidas do poeta no campo filosófico, durante a década de 1790. Na mesma época, Goethe, de uma perspectiva completamente diversa e com interesses bastantes distintos, operou por sua vez um deslocamento afim na observação de fenômenos naturais e artísticos, concebidos em sua potência formativa e autônoma. Tomando a correspondência entre ambos como guia, nossa proposta é reconstruir algumas passagens desse movimento em que Goethe e Schiller tomaram parte, em certos aspectos de maneira conjunta mas também divergente, rompendo as fronteiras da estética alemã, do subjetivo ao objetivo, da dualidade e unilateralidade à reconciliação e totalidade. No horizonte desse desenvolvimento, trata-se de considerar o modo como tais preocupações convergem, nas discussões entre ambos, para um problema do próprio tratamento artístico e o estabelecimento de um outro conceito de forma.

Conciliação pacífica ou equilíbrio conflituoso: a unidade do ânimo nas "Cartas sobre a educação estética"
Vladimir Vieira (UFF)

Na primeira parte das “Cartas sobre a educação estética” (1795), Schiller caracteriza a situação do homem moderno como aquela de um sujeito cindido, cujas capacidades sensíveis e suprassensíveis encontram-se em estado de desequilibro. Essa disposição anímica teria resultado de um processo histórico teleologicamente orientado que rompeu, necessariamente, a unidade observável na Antiguidade, cabendo a nós, agora, a tarefa de reconstituí-la sob novos fundamentos. Nesse momento, a solução esboçada pelo autor para esse problema consiste em buscar uma harmonização de nossas faculdades, análoga aquela que já fora apresentada em Sobre graça e dignidade (1793), ainda em um contexto estritamente transcendental.
Em meu trabalho, pretendo defender a hipótese de que o projeto de uma conciliação pacífica entre duas partes que se contradizem no ser humano convive com outro em que o equilibro visado seria obtido pela manutenção de um constante conflito entre elas. Tal concepção se manifesta especialmente na segunda parte das “Cartas”, em que Schiller reimprime a seu texto uma inflexão mais transcendental por meio da doutrina dos impulsos. Explorarei ainda a tensão entre essas duas propostas no que diz respeito à estrutura da obra como um todo.

Goethe como o último dos homéridas: sobre a feitura e a recepção de "Hermann und Dorothea"
Icaro Gonçalez Ferreira (USP)

Em “Hermann und Dorothea” (1797), Goethe alcança um equilíbrio feliz entre duas linhas de força que atravessam sua produção poética. De um lado, a obra situa-se no auge de seu classicismo, de seu engajamento com o ideal grego de arte, que se traduz na tarefa de reatualizar a poesia épica, pensada a partir de Homero – “ser homérida, ainda que apenas o último, é belo”. Do outro, o poema se inscreve no ciclo da “Revolutionsdichtung”, série de obras na qual Goethe elabora sua reação à Revolução Francesa – esse que é o “mais terrível dos eventos”. Mais ainda, como decantação dessa reação, expondo uma compreensão mais abrangente, nuançada e reconciliada do que em obras anteriores. Assim, o poema é marcado por uma dupla realização: a apreensão e exposição do presente, da modernidade, preservando, ao mesmo tempo, as formas legadas pela antiguidade. A resolução dessa dissonância, entre a compreensão da arte grega clássica como um ápice insuperado, e a consolidação de uma consciência histórica, colocava-se, ao mesmo tempo, como tarefa especulativa das filosofias da arte no âmbito do idealismo kantiano. Desse modo, buscaremos reconstruir essa problemática tal como ela se apresenta no processo de composição do poema, a partir da correspondência de Goethe com Schiller e Johann Heinrich Meyer, e em sua recepção por August Schlegel e Hegel – de modo a compor um quadro em que os desenvolvimentos do Classicismo de Weimar, do Romantismo e do Idealismo se esclarecem reciprocamente.

18H
Sala 2 Bloco P
Música
Mediação: Cíntia Vieira da Silva
Tempo, espaço e referencialidade extrínseca na música acusmática: apontamentos sobre as consequências estéticas das tecnologias de gravação e síntese sonora
Gustavo Arima (UNESP)

Este trabalho tratará das consequências estéticas em relação ao tempo e ao espaço decorrentes do uso de objetos sonoros extrinsecamente referenciais na música acusmática. Sons extrinsecamente referenciais, terminologia que adotamos de Nattiez (1990), são aqueles cujas origens são facilmente reconhecíveis ou que se prestam, quando de sua recepção ou produção, a qualquer tipo de relação extrínseca à obra ou a conceitos musicais, como uma gravação de um som cotidiano. A temporalidade musical aproxima-se da durée bergsoniana (Bergson, 1926), sobretudo nos casos nos quais um alto grau de periodicidade não introduz o tempo-espaço, entendido como tempo cronológico, quantitativo e oposto à durée, que é uma temporalidade puramente heterogênea, qualitativa. Propomos que a referencialidade extrínseca, em uma música que descende de uma tradição marcada pela abstração, provoca uma clivagem no tempo musical, enxertando, na durée musical, a durée do mundo, que comporta um espaço vivido, diferente da concepção de espaço em Bergson. Discutiremos as implicações estéticas dessa clivagem, possibilitada pelo desenvolvimento de tecnologias de gravação e síntese de áudio, nos âmbitos da recepção e da produção.

Theodor Adorno: o papel da mediação na dialética do material musical
Jorge Roberto Costa Passos (UERJ)

Se considerarmos a definição de som mensurado desde a escala pitagórica, permearemos toda a história como uma geografia da mediação musical. Pensar a nota isoladamente, seja na tonalidade, na atonalidade, no serialismo e na música informal, significa admitir tal mediação pelo próprio conteúdo da objetividade sonora. Entre a acústica e a forma, há que se compreender o papel dialético do material, cuja exteriorização se converte em “uma objetividade quase espacial”. Adorno expõe o conceito de material como o mais satisfatório à distinção mediatizada, contra a divisão tradicional que há na arte entre forma e conteúdo. A problemática colocada por Adorno está precisamente no uso do material, seja como perpetuação da tradição seja como negação da mesma. Uma ambiguidade capaz de enganar a razão no pensar o material como um elemento simplesmente diferenciador do historicamente realizado ou na necessidade de salvar o passado pelo que nele se encontra descrito. Na Teoria Estética, Adorno desenvolve ainda mais a compreensão sobre a mediação entre o material e o seu momento histórico. As obras autênticas, expressou Adorno, “são as que se entregam sem reservas ao conteúdo material histórico da sua época e sem a pretensão sobre ela”. A obra musical sempre apresenta problemas inusitados ao compositor e exige a sua resolução para se realizar como tal.

"Crise do sentido" nos escritos musicais de Theodor Adorno sobre John Cage
Sofia Andrade Machado (UFOP)

Os apontamentos de Theodor Adorno (1903-1969) sobre John Cage (1912-1992) estão dispersos em algumas de suas principais obras sobre estética, como a “Teoria estética” (1970), o livro “Estética 1958/1959”, a “Introdução à sociologia da música” (1967) e os ensaios “A arte e as artes” (1967), “Vers une musique informelle” (1961) e “Dificuldades” (1964-1966), publicados nos Escritos musicais. Embora Adorno não tenha dedicado a Cage um texto completo, suas reflexões sobre a obra do compositor norte-americano se situam em um momento importante para a definição dos rumos que a composição musical tomaria após a ruptura radical representada pelo atonalismo, no início do século XX. Na “Teoria estética”, a única referência que Adorno faz a Cage está situada em uma parte dedicada ao sentido e à “crise do sentido” nas construções estéticas. Segundo Adorno, a coerência outrora fundadora de sentido nas obras de arte se esgota diante da falta de sentido do aparato social, que é incorporada, de maneira crítica, na forma estética: “Fenômenos-chave podem também ser certas obras musicais como o Concerto para piano de John Cage, que se impõem como lei uma contingência impiedosa e, portanto, algo que se assemelha ao sentido: recebem a expressão do horror”. O horror ao vazio marca a recepção das obras de arte que abdicam de uma falsa coerência em nome da abertura ao acaso, tendência que a composição de Cage levou às últimas consequências.

18H
Sala O-342
Nietzsche
Mediação: Marcela Oliveira
Verdade como metáfora: sobre crítica epistemológica do jovem Nietzsche
Felipe Amancio (PUC-Rio)

Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, é frequentemente reputado como mestre da suspeita, crítico da tradição europeia e de seus valores morais. Muito dessa fama de “filósofo rebelde”, iconoclasta, se deve à maneira como ele, com base em seu método genealógico, busca a partir de considerações históricas objetar certos ideais metafísicos tidos por inquestionáveis e atemporais. No conjunto dessas críticas, seu modo provocativo de contestar o lugar sagrado conferido à verdade, ao suposto conhecimento verdadeiro, é deveras marcante, e se mantém ainda bastante atual ao ser constantemente retrabalhado por filósofos contemporâneos. Desse modo, a comunicação tem por objetivo apresentar algumas meditações realizadas a partir da leitura reflexiva dos chamados textos de juventude de Friedrich Nietzsche, textos nos quais podemos observar não só a gênese, mas o âmago dessas ideias que serão exploradas de modo variado no decorrer da obra do autor. Em vista disso, com foco especial no ensaio póstumo “Sobre a verdade e mentira no sentido extramoral”, proponho não só comentar a argumentação do filósofo a respeito da verdade, mas, sobretudo, analisar as formas com as quais ele constrói essa argumentação por meio de uma série de recursos analógicos e poéticos.

A arte muito interessada proposta por Nietzsche
Ronaldo Pelli (PUC-Rio)

Nietzsche falou sobre arte diretamente no “Nascimento da tragédia”, seu primeiro livro, ainda muito influenciado por Wagner e por Schopenhauer. Depois, Nietzsche abordou o tema arte ao longo de toda a sua vida intelectual. Mesmo em textos que não têm o assunto como mote principal, o tópico aparece como uma forma privilegiada de entender uma determinada perspectiva. Como é o caso da “Genealogia da moral”, quando aborda a questão do ideal ascético. Uma das formas desse ascetismo aparecer seria exatamente o pensamento kantiano de uma arte desinteressada. Na leitura nietzschiana, o jogo estético proposto por Kant teria como fim último revelar a “verdade” escondida das coisas. E ter “interesse” nesse processo só colocaria empecilhos para enxergá-la. Nietzsche não acredita nessa divisão entre mundo ideal e mundo sensível, entre razão prática e razão aplicada, entre vida terrena e vida no paraíso, ou qualquer outro dualismo. Para ele, só existiria esta vida aqui, esse mundo aqui, e nossa razão poderia ser usada de formas diversas, não apenas como controle da nossa vontade. Sua proposta, por isso, não é inverter a metafísica que ele associava a Platão, ao cristianismo, a Kant, à tradição de pensamento Ocidental enfim, mas acabar com essa dualidade. Pensar de outra maneira, fazer uma transvaloração dos valores. Porque o belo, diz Nietzsche, excita a vontade, o interesse. Ou seja, dá vontade de poder que nada mais é, nesse contexto, que um outro nome para a vontade de viver.

A educação tecnicista em detrimento da arte: concepções do jovem professor Nietzsche
Pamela Cristina de Gois (UFRJ)

No período do professorado de Nietzsche, entre 1869-79, suas discussões ligadas à cultura, à formação de jovens e, também à existência, têm início nas “Conferências Sobres o Futuro dos Estabelecimentos de Ensino (1872). O ponto central do debate desse escrito é o apontamento de duas grandes tendências da cultura. Uma primeira se refere ao desejo por sua ampla e rápida expansão por meio das instituições de ensino. Tem-se aqui o princípio de uma cultura de massa. Por ser algo que ocorre dentro dos interesses econômicos do Estado, esse tipo de cultura ganha forças e se mantém na sociedade de forma impermeável. A segunda tendência, em consequência da primeira, é a diminuição da verdadeira cultura de um povo. Por afetar diretamente questões que se referem à formação para a vida prática, por conseguinte tem-se a ruína da cultura verdadeira, isto é, aquela que é original de cada povo. Ambas as tendências são manifestadas diretamente no processo formativo educacional e levam ao aniquilamento de tudo que é criativo nos jovens estudantes. O filósofo propõe, enquanto fator principal que determinaria mudanças dentro das instituições de ensino, a necessidade de um alinhamento de todo pensamento acadêmico com a arte, em detrimento ao interesse do Estado pelo lucro. Se por um lado a educação tecnicista representa as dificuldades citadas por Nietzsche, por outro, é na arte que ele identifica uma espécie de antídoto para esse tipo de cultura, considerada por ele como precária.

18H
Sala O-510
Fronteiras entre mística e estética
Mediação: Pedro Franceschini
Fronteiras entre mística e estética em Evelyn Underhill
Clovis Salgado Gontijo (FAJE)

Ao longo da história da filosofia, muitos autores estabeleceram estreito paralelismo entre as experiências mística e estética. Embora pareçam proceder de diferentes ordens ontológicas, uma imanente e outra transcendente, ambas exigiriam ou causariam: a contemplação desinteressada; o deslocamento da existência rotineira; a apreensão de uma realidade mais permanente; a constatação dos limites do discurso. Tal aproximação, quando efetuada em reflexões sobre a arte, poderia incorrer num “espiritualismo artístico” (“Pareyson”), capaz de distanciar do cotidiano a criação e a apreciação artísticas; de idealizar o artista que partilha sua inspiração privilegiada; de minimizar a feitura da obra; de tornar a experiência artística superável ou substituível. Contudo, negar a equivalência dessas experiências não impede a identificação de interseções entre elas. Assim, examinaremos, neste painel, tais interseções a partir de três pensadores contemporâneos que trafegaram pelas imprecisas fronteiras entre a mística e a estética: Evelyn Underhill, Vladimir Jankélévitch e Juan David García Bacca. A começar por Underhill, focalizando especialmente seu ensaio “The Mystic as Creative Artist”, revisaremos alguns dos pontos de contato mencionados, no contexto de uma reflexão da mística pelas lentes da estética. Ressaltaremos como, apesar de afirmar o tradicional vínculo entre o belo e a transcendência, Underhill adota postura religiosa inovadora ao conceber positivamente o campo da sensibilidade.

Fronteiras entre mística e estética em Vladimir Jankélévitch
Franklim Drumond de Almeida (FAJE)

Em contraponto com Underhill, Jankélévitch e García Bacca examinam a confluência entre mística e estética por uma via de sentido inverso, ou seja, aplicando à estética traços recolhidos da mística. Como Underhill, Jankélévitch, apesar de se declarar agnóstico, também se debruça sobre as fontes das místicas neoplatônica e cristã (Plotino, Richard Rolle, João da Cruz, Francisco de Sales), que contribuem para a elaboração de conceitos-chave de sua obra, como o inefável e o “presque-rien”. Dado que sua reflexão estética se dirige, sobretudo, à música, será nessa arte que o autor identificará elementos característicos à experiência mística. Assim, aplica o “no sé qué” e o “balbuciendo”, termos empregados na poesia de João da Cruz, à obra e à recepção musicais, transferindo a ideia de inefabilidade, tradicionalmente vinculada ao contato com a transcendência, à imanência do tempo, da sonoridade física, dos procedimentos composicionais e das especificidades instrumentais. A presença do santo espanhol manifesta-se igualmente na valorização do silêncio pelo filósofo, que, além de ressaltar peças cujas sonoridades se aproximam da “música callada”, também coloca o silêncio como condição de possibilidade para uma escuta mais plena, em continuidade com a espiritualidade cristã. A aproximação entre mística e estética também se verifica na recomendação do filósofo de que se exercite o gosto à semelhança de uma ascese, não pela rejeição, mas pelo aperfeiçoamento do prazer musical.

Fronteiras entre mística e estética em García Bacca
Alberto Ferrer García (UOC)

Para García Bacca, a transcendentalidade humana não se detém na lógica formal como ápice da vida superior ou mental, uma vez que a arte – e, particularmente, a música – consegue “transfinitar” – transcender – a própria transcendentalidade. De fato, o autor considera a existência da arte como prova de que a “transfinitude” humana, além de transcendental, é também – e, sobretudo, – transcendente. Contudo, a arte tampouco deve ser vista como meta ou possibilidade suprema do dinamismo dialético de tal “transfinitude” humana: esta é o fundamento da própria transcendência. Portanto, graças à “transfinitude” humana, as coisas em si, finitas ou não, aparecem ordenadas segundo potências ascendentes até o Infinito. A potência transfinita do ser humano não pode ser moldada por qualquer coisa finita nem ter limites definitivos, de modo que, guiada dialeticamente – dinamismo de absorção-superação –, tudo o transcenda infinitamente até o Infinito. Isso, ressalta-se, já teria sido notado por Hegel e todos os místicos: somente o contato com o Infinito, o abraço do Absoluto ou a morte mística – ser Deus – é a meta adequada para o transfinito humano, a solução capaz de acabar definitivamente com sua tragédia ontológico-vital de endemoniado e de o transformar em Fanuel: de lutador com Deus a vidente de Deus. García Bacca evidencia, assim, um aspecto já implícito em Underhill e Jankélévitch: as imprecisas fronteiras não só entre a mística e a estética, mas entre estas e a antropologia filosófica.

18H
Sala O-516
Estéticas da cultura popular
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
O pixo entre a estética e a política
Ulisses Razzante Vaccari (UFSC)

Em “A contracultura, entre a curtição e o experimental”, Favaretto analisa o surgimento da contracultura no Brasil, como um movimento de oposição a dois acontecimentos: a censura imposta pelo AI-5 e o avanço da indústria cultural. Ao propor uma “arte suja”, “subterrânea”, calcada na violência, a contracultura evidenciou uma produção efervescente, em oposição ao “sistema das artes” (espécie de conluio entre o regime militar e a indústria cultural). O objetivo da presente comunicação consiste em analisar em que medida o pixo pode igualmente ser compreendido como um movimento contracultural, por ter se originado no mesmo contexto da censura da ditadura e do avanço da indústria cultural. O pixo, afinal, surge igualmente como uma forma de contestação da “ordem” político-social e de legitimação de uma posição política marginal. Assim como as manifestações artísticas do período, também o pixo tinha por base a proposição de uma “nova sensibilidade” e de um “outro modo do político”, por meio da arte. Em comparação com as manifestações da contracultura, porém, a atitude do pixo mostra-se mais radical, na medida em que, permanecendo no limiar entre a arte, a política e o crime, não se deixa absorver pelo assim chamado “sistema das artes” da cultura nacional. Até hoje, o pixo permanece talvez a manifestação artístico-política mais avessa ao status quo da arte e da indústria, o que lhe permite reivindicar com mais voracidade o tão aclamado conceito estético da “partilha do sensível”.

Do sentimentalismo à política: as ambiguidades do kitsch
Gerson Luís Trombetta (UPF)

Ao investigar o “kitsch” como um fenômeno estético, o trabalho pretende sustentar duas teses: 1) o sentimentalismo (sentimentality) estimulado pelo kitsch pode ser entendido como um “efeito colateral” (ou mesmo um contraponto) do projeto moderno nas artes. Na experiência com a arte moderna, o expectador defronta-se com o próprio limite, e experimenta uma crítica radical à tendência subjetiva de requerer respostas prazerosas dos objetos. Isso leva a crer que a batalha entre o kitsch e a vanguarda (cfe. Clement Greenberg), para além das formas e de técnicas, é uma batalha travada no campo das sensações. Ainda que ressignificado e incorporado em diversas iniciativas da arte contemporânea, o “kitsch” permanece na tênue e ambígua fronteira entre o que a arte, em termos estéticos, quer ser e o que quer evitar; 2) para além da dimensão “objetual”, o fenômeno “kitsch” também caracteriza a estética de certos “comportamentos políticos”, de modo especial aqueles associados aos extremismos. Neste particular, podemos falar de um “kitsch-man” (homem-kitsch), ou seja, uma personalidade marcada pelo exagero (no gestual, nas declarações e nas simplificações) e pelo orgulho da sua condição de falsidade. Entender os extremismos políticos como também estéticos e marcados pelo “kitsch” pode oferecer uma “chave de leitura” bastante fértil para compreender suas dinâmicas e o risco que representam às sociedades democráticas.

Memória e política em "Perramus" de Alberto Breccia
Daniel do Valle Pretti (UFRJ)

“Perramus” de Alberto Breccia é uma obra ainda pouco explorada filosoficamente. Ela certamente transcende as discussões, um tanto quanto inócuas, se devemos considerar quadrinhos arte ou não. Parece-nos que a própria experiência com a obra nos convoca a tomar tal obra como objeto de apreciação crítica. Partiremos deste dado e nos perguntaremos pelas possibilidades de “Perramus” no fazer refletir sobre o tema da lembrança e do esquecimento dentro de um contexto político, mais especificamente, o regime militar argentino. Entre outras referências a obra dialoga com o Expressionismo Alemão, com a “Odisséia”, de Homero, e com toda a obra de Jorge Luis Borges.

09/11
qui
10H
Auditório Bloco P
Plenária Joana
Mediação: Pedro Duarte
You Play Me False: Problemas de jogo
Joana Matos Frias (ULisboa)
14H
Sala 2 Bloco P
Arte e Ocidente
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
O lugar da arte na época da técnica
Leidiane Coimbra de Lima Castro (UFBA)

Olhar a época em que vivemos numa perspectiva fenomenológica significa olhar para o modo em que o ser se mostra e tentar capturar um sentido para sua manifestação. A especificidade da época em que vivemos corresponde ao que Heidegger chamou de época do “acabamento da metafísica”, isto é, a época da técnica. A palavra “acabamento” aqui empregada, longe de significar fim ou extinção significa o momento do ápice. Tal como uma obra de arte que só se torna ela mesma com o acabamento da peça, a época da técnica ganhou os contornos para se revelar naquilo que ela é, ou seja, ge-stell, com-posição, armação. Amplamente traduzida, ge-stell é uma espécie de estrutura como um esqueleto ou uma estante. Como tal, sustenta e expõe aquilo que se revela em seu contexto. Na perspectiva da ge-stell, o modo como ser se revela em nossa época é o modo da disponibilidade, da armação como uma estante que guarda objetos que ficam alí disponíveis. Quando a existência acontece em correspondência com esse modo de ser abre-se para ela uma nova “categoria”, qual seja, a do disponível. A arte, no entanto, é um acontecimento que, segundo Heidegger, aproxima-se da verdade, alétheia, isto é, um desvelamento que não atende demandas, que não assimila a disponibilidade. Portanto, é importante questionar, qual o lugar da arte na época da técnica? Qual o lugar da arte numa época em que existência acontece como disponibilidade?

Duas outras contra-histórias do modernismo: regime estético da arte e niilismo ocidental
Renata Magri Alonge Bonfim da Silva (UNICAMP)

A comunicação visa a expor a tentativa de justapor duas perspectivas de análise, dadas em chaves muito distintas, que contribuem para a ampliação da interpretação do modernismo: Jacques Rancière e sua noção de regime estético da arte e Ernst Jünger e seu diagnóstico do niilismo ocidental. Cada uma das perspectivas, isoladamente, oferece contribuições importantes acerca da profundidade e extensão que o problema do modernismo ainda nos reserva, se justapostas ou até mesmo em alguns pontos cruzadas podem contribuir para a composição de um quadro ainda mais fundo, amplo e diverso de reinterpretação da modernidade artística, ou, nos termos de Rancière, para uma “contra-história” do modernismo. Ambas as perspectivas contrapõem-se à interpretação greenberguiana, central na história consagrada da arte moderna, segundo a qual as tendências artísticas vanguardistas operaram num sentido de evolução histórica que realiza a finalidade da arte, de cada arte, num processo linear, progressivo e teleológico. Rancière a confronta em diversos sentidos, a começar por operar com a ideia de anacronismos, temporalidades heterogêneas; Jünger, por sua vez, numa perspectiva nietzschiana de análise histórica, oferece um diagnóstico do niilismo ocidental que nos permite confrontar Greenberg no sentido de uma teleologia negativa na qual o modernismo pode ser interpretado como parte do processo de um esgotamento das bases culturais ocidentais e não da realização da finalidade última das artes.

Observações sobre as aulas de Deleuze sobre a pintura
Veronica Miranda Damasceno (UFRJ)

Esse trabalho visa apresentar algumas observações acerca das aulas de Gilles Deleuze sobre a pintura. Tais aulas foram, por ele, ministradas na Universidade de Paris 8 -Vincennes-Saint Denis em 1981. Trata-se de um importante material, no qual este pensador apresenta alguns problemas relativos à pintura e introduz sua compreensão acerca das artes visuais ocidentais. Deleuze distingue duas grandes vias nas artes visuais do Ocidente: a primeira delas se define como a expressão de uma visão aproximada ou de um espaço háptico. Essa expressão ele traz de Aloïs Riegl, na qual háptico vem do grego “aptô”, que significa tocar. A segunda via é designada pelos termos de visão distanciada ou espaço óptico. Deleuze escolhe o Egito para começar seu estudo e vai até a arte contemporânea. Para ele a arte começa com a linha abstrata. Desse modo, a arte pré-histórica não é figurativa, mas abstrata. O baixo-relevo egípcio, de acordo com a leitura que ele faz de Maldiney e de Riegl, pertence à arte háptica, pela sua utilização da superfície abstrata, da proximidade e da linha geométrica abstrata. A segunda etapa, estudada por ele, é a linha orgânica grega, que corresponde a uma liberação da profundidade e do realismo do modelo corporal, rompendo com o isolamento das figuras. A linha muda indubitavelmente de estatuto e começa a cortar formas concretas, orgânicas, carnais. Surge assim o perfil da representação que, para ele, permanecerá como a maior tendência da arte ocidental.

14H
Sala O-342
Tecnologia, imagem e percepção
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
Imagem expressa: arte e técnica na Alemanha da República de Weimar
Lara C. Casares Rivetti (USP)

O célebre diagnóstico de Walter Benjamin nos anos 1930 a respeito da perda da aura na arte anuncia um problema que se apresentava de modo contundente na vida artística de países europeus desde a década anterior: a complexa relação entre o homem e uma sociedade irremediavelmente marcada pelo avanço tecnológico. Se este é um fenômeno que assinala a experiência da modernidade como um todo, no início do século XX ele se agudiza e passa a constituir dado incontornável. Nesse sentido, buscaremos apresentar como tal questão se instaura no cenário das artes plásticas da Alemanha da República de Weimar, partindo do exame dos periódicos que circulavam pelo país, com tiragem e público leitor expressivos, desde o século anterior. Conforme iremos argumentar, tais veículos abrigavam parte significativa dos debates entre membros da intelectualidade da Alemanha, constituindo não só uma dimensão importante da sua esfera pública como também o núcleo duro da experiência visual da época. Analisaremos como a energia acumulada nesse regime visual adentrou a obra de artistas do período a partir de estratégias formais variadas, diluindo os limites entre as esferas da arte e de uma nascente cultura de massas (noção que seria formulada no final dos anos 1940), além de discutir as ambiguidades ideológicas desse processo. Finalmente, argumentaremos que esse momento histórico sinaliza o fulcro do desenvolvimento da experiência contemporânea na lida da arte com a técnica e a cultura de massas.

Da reprodutibilidade técnica à interatividade virtual
Lucyane de Moraes (UFMG)

Como doutrina da não-realidade da existência autônoma dos objetos, na chamada realidade virtual, a ênfase na aparência parece ser algo coerente, uma vez que este meio já surgiu como uma aparição. Benjamin aludiu a isso em sua obra sobre a reprodutibilidade, quando se referiu à manifestação da essência histórica inerente à autoridade da arte. Diante da celeridade com que as mudanças culturais são realizadas, fica mais difícil compreender as relações entre arte, tecnologia e sociedade num ambiente em que a interatividade ocorre de forma imersiva. Cabe analisar como na arte a maximização tecnológica, em suas diferentes formas de produção, modificam as percepções de espacialidade e temporalidade, influenciando a concepção de memória histórica. Para Benjamin, a relatividade do sentido e a perda da memória imposta ao indivíduo pela modernidade apontam, por exemplo, para uma espécie de anulação da vontade narrativa. O que resulta como consequência é fator de anulação da subjetividade e, portanto, um traço de violência marcado pelo colapso da capacidade sensível do sujeito, podendo-se pensar que tal ocorrência, ao restringir a capacidade potencial do indivíduo de acessar a memória, começa a subverter as relações de pertencimento, vivência e experiência entre ele, a arte, e a realidade social. Se assim for, será necessário aprofundar o que Adorno concebeu como a ‘nova sensibilidade’, ou seja, um estado ideal em que a objetividade estética coincide com a objetividade tecnológica.

A fotografia e a construção do outro
Sara Ramos de Oliveira (UFF)

Na segunda metade do século XIX, a Europa vivia o ápice da expansão colonial e da revolução industrial. Invenções como o telégrafo, o navio a vapor e a fotografia mudaram o mundo de forma definitiva e, com tamanhas transformações, veio a necessidade de compreender os modos de vida diversos da conhecida pelos padrões civilizatórios europeus. A antropologia surge como disciplina acadêmica com esse objetivo, utilizando a fotografia como importante ferramenta etnográfica. Este trabalho investiga o papel da fotografia na construção da imagem do outro no século XIX e seus parâmetros prevalecentes até os dias de hoje, no passo em que vivemos atualmente em um mundo-imagem sob o júbilo do capitalismo tardio.

14H
Sala O-510
Ontologia da arte
Mediação: Pedro Franceschini
Ontologia histórica da arte como teoria da arte contemporânea
Daniel Pucciarelli (UEMG)

A comunicação é concebida como uma contribuição à ideia de uma ontologia histórica da arte, que tem sido recentemente mobilizada por alguns teóricos (em particular por Peter Osborne) com vistas a uma reforma do conceito de arte no ambiente contemporâneo. O cerne da ideia de ontologia histórica da arte consiste em elevar à condição de modo de existência da arte seu próprio caráter histórico (e relacional), cuja única unidade possível residiria em sua processualidade. Constitui-se, assim, um conceito de arte de formatação transdisciplinar, aberto às suas práticas concretas, histórica e contextualmente situado. Investigaremos em que medida essa ideia é efetivamente capaz de fornecer subsídios para a elaboração de um conceito renovado de arte após o esfacelamento de suas fronteiras tradicionais provocado pela tendencial dissolução da supostamente incontornável dimensão estética da arte; pela pluralização e hibridação dos seus meios tradicionais, consolidados no sistema das artes que vigorou no ocidente até o alto modernismo; pela dissolução dos gêneros artísticos como instâncias de classificação e avaliação crítica das obras, entre outros eventos relevantes. Em particular, indagaremos seu potencial para conferir unidade crítica ao conceito de arte no cenário contemporâneo.

Uma ontologia social da arte
Rodrigo Azevedo dos Santos Gouvea (UFRJ)

A afirmação de que obras de arte são objetos ou eventos culturais não é infrequente. Não é claro, no entanto, o que ela queira dizer, e possivelmente há diversas formas de lhe dar sentido. Em minha apresentação, investigarei uma forma de compreendê-la, a saber, a partir da tese metafísica que anuncia que obras de arte são dependentes de aspectos culturais e sociais para sua existência. Em “Work and Object: Explorations in the Metaphysics of Art “(2010), Peter Lamarque defende a tese de que obras de arte sejam objetos ou eventos culturais no sentido em que dependem ontologicamente de aspectos desse(s) domínio(s). Mais especificamente, ocupa-se com os temas da criação, da identidade e da manutenção da existência de obras de arte. A influência da Ontologia social de John Searle é tornada evidente na afirmação de Lamarque de que seja útil ao esclarecimento de suas posições em Metafísica da arte. No entanto, as noções e teses oferecidas por Searle são tratadas no referido livro de forma muito breve, e algumas consequências importantes não são consideradas. Em minha apresentação, pretendo refletir acerca da tese de que a existência de obras de arte seja dependente de aspectos culturais e sociais à luz da ontologia social de Searle (1995, 2010, 2021). Acredito, dessa forma, poder ressaltar pontos relevantes à ontologia da arte que não foram atentados por Lamarque.

Mímesis especulativa: para a fundamentação ontológica do juízo estético
Gabriel Loureiro Pereira da Mota Ramos (UNI-BONN)

No Brasil, Costa Lima (2014) desenvolveu imenso esforço para recuperar o antigo problema da mímesis, por ele definida como produção de diferença a partir da semelhança. Tal entendimento possui consideráveis consequências, dentre as quais a mais evidente é o potencial crítico do fenômeno mimético, capaz de alargar as fronteiras do real pela tematização do imaginário. Eis por que o teórico pensa a mímesis à luz do horizonte filosófico inaugurado pela “Crítica do juízo” kantiana, fundação oficial da estética como disciplina filosófica. A reflexão filosófica acerca do fenômeno estético é, assim, a via privilegiada para compreensão da especificidade do discurso ficcional mimético e de seu potencial crítico, insubordinado às categorizações unívocas e totalizantes do real. Admitida a contribuição de Costa Lima, parece ainda faltar uma fundamentação ontológica capaz de pensar o fenômeno do enriquecimento ontológico que a mímesis opera. Alain Badiou é, no panorama contemporâneo, o filósofo que mais intensamente se ocupa deste fenômeno, por ele denominado Acontecimento. Diante disso, nosso trabalho propõe revisitar a ontologia do Acontecimento de Badiou (2010), à luz da dialética das potências do Schelling (1998) tardio, em cuja “Filosofia da mitologia” encontramos a definição de mímesis como imitação ontológica. Avançamos como conclusão um conceito de mímesis fundamentado ontologicamente numa descrição do Ser cujo predicado central é a tendência ao enriquecimento.

14H
Sala O-516
Presenças e ausências do feminino na literatura
Mediação: Vladimir Vieira
Instante da presença no “Êxtase” de Katherine Mansfield
Marcela Oliveira (UERJ)

Em seu conto “Bliss” (1920), traduzido no Brasil por “Êxtase” ou “Felicidade”, a escritora neozelandesa de ascendência britânica Katherine Mansfield apresenta uma experiência de extraordinária abertura da percepção da realidade ao redor por parte de sua protagonista, uma mulher de trinta anos chamada Bertha Young, cuja intensificação da existência parece rasgar a trama previsível do tempo cronológico, que dita os afazeres cotidianos dentro da lógica organizadora e produtivista da civilização, alçando-a ao contato com outro tempo, que parece mergulhado no instante, sem projetos para algo além do próprio momento. O tempo do riso de Bertha que, comparado ao de uma criança, abre rasgando a escrita do conto, mostra-se supérfluo da perspectiva da mesma civilização que ela consideraria idiota, mas em sua vivência apresenta-se tão poderoso, talvez revolucionário, que a reação física atrelada a ele é quase insuportável. Nesta apresentação, pretende-se interpretar o conto de Mansfield a partir da busca por configurar literariamente o tempo da presença, na sua inefabilidade e potência. Quer-se discutir como esse sentimento de “felicidade absoluta” se manifesta como fogo no peito de uma mulher, que se sente atraída por outra mulher, com quem julga compartilhar a experiência de abertura da vida, capaz de apontar para o que dura para sempre em um momento. Tal presença intensificada é descrita com estilo, características e vocábulos tradicionalmente atrelados ao gênero feminino.

Uma curiosa ausência nos estudos de literatura: Christine de Pizan (1364-?1430)
Fernanda Medeiros (UERJ)

Christine de Pizan (1364-?1430) foi uma intelectual, autora de mais de quarenta obras e a única escritora profissional da Idade Média. Migrou com o pai de Veneza para a corte de Carlos V, da França, onde se casou e veio a conquistar respeitabilidade para seu trabalho literário. Viúva cedo, escrever foi o meio de sobrevivência de Pizan, que atuou como copista e escreveu obras por encomenda, além de poesia lírica e ficção, tendo tido, desde o início da carreira, um compromisso com a defesa das mulheres. Atribui-se a ela a inauguração de um debate que terá transcorrido por aproximadamente 200 anos, entre 1400 e 1600, conhecido como a “Querelle des femmes”, envolvendo uma grande produção de textos de autores e autoras de diversas nacionalidades, em vários gêneros, discutindo a condição feminina. Minha proposta é apresentar essa intelectual surpreendentemente desconhecida, comentando seu engajamento feminista na Querelle, bem como sua obra mais famosa, o Livro da cidade das damas (1405), uma utopia avant-la-lettre, em que a própria Pizan, como narradora-autora, auxiliada por três Virtudes – Razão, Retidão e Justiça -, constrói alegoricamente uma cidade fortificada para e por mulheres. A obra foi bem recebida na França, quando de sua publicação, e teve traduções para o holandês (1475) e para o inglês (1521). Em 2006, houve a primeira tradução para o português do Brasil, feita por Luciana de Freitas Callado no âmbito de sua tese de doutoramento em Teoria Literária pela UFPE.

Filhas transformadas em mães: o elemento feminino no drama familiar de Rei Lear
Pedro Süssekind (UFF)

Em sua primeira edição impressa, de 1608, a peça de Shakespeare se chamava “Verdadeira crônica histórica da vida e morte do Rei Lear e suas três filhas”. Entretanto, a menção das filhas no título desapareceu na versão de 1623, “A tragédia de Rei Lear”, incluída no Primeiro Folio, edição luxuosa que reunia as obras do dramaturgo já falecido. Pretendo refletir sobre o significado dessa mudança de nome e mostrar que a peça, à primeira vista sobre relações familiares de uma sociedade patriarcal, contém uma importante elaboração da questão do papel da mulher, seja de um ponto de vista sociopolítico, seja de um ponto de vista psicológico. Discutindo os traços misóginos de Lear, defenderei a hipótese de que a ausência ou até o ocultamento da personagem da esposa do rei viúvo está ligada à constituição psíquica do protagonista, que em suas velhice age como filho mimado das próprias filhas, convertidas em referências maternais. Por outro lado, o contraste de atitudes e posicionamentos entre Cordélia e suas irmãs Goneril e Regan, as duas vilãs da peça, pode indicar diferentes formas de atuação das personagens femininas no mundo social. Essas formas parecem vinculadas ao matrimônio, como legitimação patriarcal da participação política, mas levam a questionamentos que apontam para a subversão da lógica sucessória e para a centralidade do elemento feminino que, em muitas instâncias, procura-se ocultar sob o protagonismo masculino.

16H
Sala O-342
Benjamin, arte e história
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
Entre arte e história: montagem e citação em Walter Benjamin
Fernando Ferreira da Silva (UFG)

Walter Benjamin dedicou parte significativa de sua produção teórica à compreensão dos fenômenos culturais modernos, contribuindo decisivamente para a teoria da arte e a filosofia da história. No âmbito de sua interpretação da arte moderna, a montagem figura como um objeto de reflexão privilegiado, na medida em que consiste num elemento estruturante dos procedimentos técnicos e experimentais das criações artísticas de vanguardas como o dadaísmo e o surrealismo. Embora muito presente nos escritos de Benjamin sobre a criação artística moderna, a montagem desempenha uma função crítica na tarefa de interpretação da história. O conjunto de fragmentos reunidos ao redor do trabalho das “Passagens”, que visava a escrita de uma história material da Paris do século XIX, sinaliza em seu escopo metodológico o objetivo de aplicar a montagem literária como princípio de apresentação do conhecimento histórico. Neste projeto inacabado, Benjamin pretendia escrever um livro sem nada a dizer, mas apenas mostrar, utilizando, para isso, a montagem de numerosas citações e diversos fragmentos, na tentativa de rastrear os fatores artísticos, econômicos, políticos e técnicos determinantes para a experiência coletiva da Paris do século XIX. O presente trabalho pretende discutir o sentido da categoria da montagem em correlação com o conceito de “citação” proposto por Benjamin, de modo a explicitar o potencial metodológico desta categoria, tomada de empréstimo das artes modernas, para a escrita da história.

As fronteiras entre arte e crítica em Walter Benjamin
Matheus Fernandes Pinto (UFF)

“Um juízo artístico que não é ele mesmo obra de arte (…) não tem absolutamente direito de cidadania no reino da arte”. O trecho de Friedrich Schlegel, retirado de um de seus aforismos na revista Athenaeum, é citado por Walter Benjamin em seu estudo sobre o primeiro romantismo, “O conceito de crítica de arte no romantismo alemão”. O livro procura desconstruir a imagem do crítico como um “juiz de arte”, optando ao invés disso por conceber a crítica como o acabamento da obra, ou como o desdobramento do potencial intrínseco da obra de arte. Nesse sentido, a crítica é compreendida quase como uma extensão da obra de arte, e o crítico como uma extensão do artista. É verdade que essa transfiguração do sentido de“crítica” não acontece sem abalar os nossos pressupostos sobre o papel da “arte” nessa relação. Benjamin, a partir da exploração dos românticos, insiste em atribuir uma dimensão reflexiva às obras de arte. Em outras palavras, as obras não precisam de uma teoria que as explique, mas são capazes elas mesmas de produzir pensamento. O que caracteriza a arte genuína, portanto, é a perspectiva crítica que nasce com ela. Se o crítico se torna artista, o artista também ganha ares de crítico. O nosso trabalho busca mapear os novos entrecruzamentos entre arte e crítica que surgem no trabalho Walter Benjamin, assim como pensar de que modo estes princípios se refletem nos ensaios de crítica de arte do autor.

Notas sobre a crítica de Walter Benjamin a uma ideologia do simbólico no Romantismo
Gabriel Nunes de Souza Jinkings (UFG)

A presente comunicação examinará, a partir da leitura da segunda parte da obra “Origem do drama trágico alemão”, “Trauerspiel”, a crítica de Walter Benjamin ao uso do símbolo pelo Romantismo. Por falta de integração entre forma e conteúdo, o Romantismo faz um uso fraudulento do símbolo. Benjamin procura desfazer tal equívoco, resgatando o verdadeiro conceito de símbolo, que tem origem teológica. Para tanto, o confronto com Goethe torna-se central nesta discussão. Na corroboração desse confronto, num primeiro momento, faremos uma reconstrução do pensamento simbólico e alegórico no romantismo, especialmente em Goethe, via Tzvetan Todorov e João Adolfo Hansen. Tais literaturas reforçam a tese de que, por conta de uma ideologia do simbólico nascido no romantismo, e por falta de uma teoria sobre o alegórico, surge o contraponto dessas duas formas de expressão na valorização do símbolo. O segundo momento é dedicado a uma problematização da rejeição do alegórico, em favor da configuração simbólica; e o motivo político de Walter Benjamin de salvar das mãos arcaicas estes dois modos de expressão. Assim, exploraremos tanto o equívoco como as motivações dessa oposição no Romantismo, bem como Benjamin o dissolve, resgatando o verdadeiro significado de símbolo e reabilitando a alegoria.

16H
Sala O-510
Palavra e Linguagem
Mediação: Cíntia Vieira da Silva
“Eu só tenho uma língua e essa língua não é minha”
Carla Rodrigues (UFRJ)

O objetivo desta apresentação é tecer interlocuções entre um determinado aspecto da filosofia de Jacques Derrida e uma característica da literatura de Annie Ernaux. Trata-se de primeiro retomar certas alegações sobre a língua feitas por Derrida em “O monolinguismo do outro” – talvez um de seus textos mais marcados pela crítica ao colonialismo – , sendo a principal delas a que dá título ao trabalho. Se eu só tenho uma língua e essa língua não é minha, isso significaria dizer que sou estrangeira em minha língua materna, sou estranha ao que seria meu idioma próprio. Pretendo ligar esse problema derridiano ao modo como a escritora francesa Annie Ernaux opera o problema da linguagem no livro “O lugar”, escrito em forma de trabalho de luto depois da morte do seu pai. “Tudo o que diz respeito à linguagem é, na lembrança que tenho dele, motivo de rancor e de brigas doloridas, muito mais do que dinheiro”, escreve ela, numa das muitas passagens em que a diferença se manifesta no uso da linguagem. Se Derrida está tentando pensar sua passagem pelo mar mediterrâneo, da Argélia para a França, Ernaux está elaborando, como pretendo argumentar, uma passagem de classe social, da vida simples do interior para a vida intelectual de professora. Mesmo ou apesar de se tratarem de autores/as franceses/as, quero aproximá-los/as da condição colonial brasileira para pensar a partir de passagens pela ascensão de classe ou pelo Atlântico.

Uma palavra para transtornar o sentido do objeto
Paula Luersen (UFRGS)

O ensaio discute produções artísticas que pensam a palavra na fronteira entre artes visuais e literatura. Para além de poetas e escritores que se dedicam à página escrita, convoca-se o trabalho de artistas que usam a palavra para transtornar o sentido dos objetos. Partindo de João Cabral de Melo Neto, para quem a palavra ocupa no mundo um lugar comparável ao de todas as outras coisas, exigindo processos de construção, contenção e escolha, procura-se demostrar como a arte contemporânea explora a palavra-coisa em um sentido literal, associando escrita e objeto. Obras como “Ninguém” (1992) de Leonilson, “Objetos arbitrários e seus títulos” (1979) de Luis Camnitzer, “Você me dá sua palavra?” (2004-2020) de Elida Tessler, e “Só (ou cartas acrescidas de vento)” (2017-2020) de Renata Job, são analisadas para mostrar o exercício de observação do mundo que permite combinar objetos e palavras em arranjos insuspeitos. Em tempos verborrágicos, nos quais as palavras perderam seu sentido de contenção, procura-se discutir como artistas e escritores investem no trabalho com a linguagem, sustentando a crença de que, enfim, é preciso confiar na potência das palavras e dar-lhes suporte para que possam dizer.

Blanchot e a parte do nada: o paradoxo da palavra literária
Felipe Almeida de Camargo (UEM)

Esta exposição trata da noção de “palavra literária” a partir da meditação do filósofo francês Maurice Blanchot sobre o problema dos limites da linguagem. Nosso objetivo é abordar alguns ensaios do início da filosofia de Blanchot, presentes na obra “A parte do fogo” (1949). Os principais ingredientes conceituais da especulação de Blanchot acerca de sua concepção de linguagem são tomados das divagações de Stéphane Mallarmé e do estudo de Jean Paulhan sobre o terror nas Letras. Na trilha destes pensadores, Blanchot descobre que a natureza da linguagem possui uma contradição essencial. Se por um lado a linguagem é vista como um instrumento de compreensão, com funções definidas para fins pragmáticos (como algo que possui fronteiras estáveis e tranquilizadoras), por outro lado, a linguagem literária sequer é “vista”, ela deixa de servir de instrumento à compreensão, pois perde suas funções definidas que são necessárias à ação, tornando-se instável e inquietante, não reconhecendo as fronteiras habituais da linguagem. A essência da linguagem literária é a parte do nada que anula ao mesmo tempo o império dos sentidos objetivos e o estado bruto dos referentes materiais. Na busca da realização perfeita e total da linguagem, Blanchot chegará no silêncio. O silêncio, enquanto impossibilidade da palavra e morte da linguagem, é também o que dá a possibilidade da literatura. O paradoxo da palavra literária é um dos problemas a partir do qual a literatura se coloca em questão.

16H
Sala O-516
Narrativa e ficção
Mediação: Vladimir Vieira
O prazer de Galatéia: ficção e filosofia em Boureau-Deslandes
Carlota Ibertis (UFBA)

Apesar de que as relações entre o pensamento filosófico e o uso da ficção têm as suas raízes em uma longa tradição que se remonta pelo menos a Platão, é na época moderna que o recurso a dispositivos ficcionais adquire maior diversidade em modalidade e finalidade. De acordo com Binoche e Dumouchel (2013), no século XVIII encontramos duas grandes vias: uma mais incipiente que consiste em filosofar sobre a ficcão e outra mais consolidada que reside em filosofar por meio da ficcão. Esta segunda via, por sua vez, desdobra-se nas categorias de ficções epistemológicas, posturas ficcionais e ficções reflexionantes. “Pigmalião ou a estátua animada” do filósofo francês Boureau-Deslandes se conta entre os exemplos da segunda via, abordando de modo peculiar questões filosóficas variadas dentre as quais salientamos o papel dos sentidos para a vida mental, a educação e o prazer. A presente comunicação tem por objetivo examinar o uso filosófico dessa ficção de inspiracão epicurista segundo as três categorias mencionadas, salientando a relação entre seus aspectos filosóficos e literários.

Freud e a recepção da ficção
Bernardo Barros Coelho de Oliveira (UFF)

Podemos afirmar que, para Freud, há no âmbito do ficcional um efeito significativo, tanto para o produtor de ficções, quanto para quem nelas mergulha como leitor ou espectador. Para o escritor ou poeta, o ganho se situa no que Freud irá teorizar com o conceito de sublimação, da qual a atividade artística em geral é o exemplo mais destacado. Este não é, no entanto, nosso foco de interesse. Este reside antes no ato realizado pelo receptor, seja leitor de romances ou espectador de artes cênicas, ato que não pode ser descrito como uma mera apreensão inativa de conteúdos. Ao contrário, o que torna possível uma experiência estético-literária é uma considerável quantidade de investimento por parte do leitor/espectador. O terreno assinalado para a colocação da questão do ficcional em geral inclui os devaneios ou fantasias diurnas e seu vizinho, o sonho, “a estrada real para o conhecimento do inconsciente na vida psíquica”. É na trilha da investigação sobre o sonho noturno e sua função central de realização de desejos inconscientes, decisiva para a construção de sua teoria, que Freud irá abrir uma via para a criação literária. E a partir desta, um caminho para chegar à atividade do espectador. Este percurso, porém, deixa um rastro de questões em aberto, como, por exemplo, se o resultado no leitor/espectador pode ser descrito, também, como uma espécie de sublimação ou, ao contrário, como uma modalidade possivelmente produtiva de adoecimento.

Literatura de fronteira, identidades de fronteira: Vila-Matas e as interseções das identidades e dos gêneros narrativos
José Maurício Franklin Azevedo de Castro (UFF)

A apresentação terá como tema a poética de Vila-Matas, escritor que desenvolve em suas obras, tais como “Paris não tem fim”, “O mal de Montano”, “Doutor Pasavento”, uma literatura de fronteira. Apesar das suas narrativas intitularem-se como romance, elas são mais que isso. Nelas o autor mistura ensaios filosóficos, críticas literárias, diários, o que faz com sua obra ganhe uma faceta híbrida que o permite teorizar sobre o papel da literatura no cenário atual e sobre os caminhos da subjetividade moderna. Nessa literatura de fronteira é comum o seguinte movimento: tanto o narrador quanto os personagens da narrativa se empenham em investigar a construção da sua identidade. Esse processo leva em conta um diálogo contínuo com as referências contextuais e culturais. Vila-Matas faz de suas narrativas uma nova espécie de romance de formação. Neles seus personagens se empenham em compreender as condições de possibilidade de sua identidade. Fazem um trabalho hermenêutico de reconhecimento de si num diálogo entre um si mesmo e uma série de outros (pessoas, obras, narrativas). Identidades que se constroem ao longo dos enredos, ora num processo que sedimenta as referências, ora num embate que trafega entre uma inovação a partir das referências e uma inação/apatia que paralisa a ação dos personagens. Escolhemos a obra Doutor Pasavento para mostrar um pouco do processo poético de Vila-Matas. E como muitas vezes essa construção da identidade acontece de modo refratário, na beira do abismo.

18H
Sala 2 Bloco P
Poesia
Mediação: Pedro Duarte
Verdade da experiência e verdade poética
Verônica Filippovna (UFRJ)

Nosso objetivo é tecer algumas reflexões acerca do poema “Réquien”, de Anna Akhmátova. Atenta à trama da linguagem e ao jogo entre realidade e ficção, com sua voz dialógica, lúcida e potente, a poeta russa elabora uma obra em que a verdade da experiência e a verdade poética se fundem em um ritual fúnebre e coletivo. A miséria, o desespero, a angústia, a ausência de liberdade e a dor provocada por um regime totalitarista transparecem em sua escrita conciliando rigor formal e vigor criativo. O ciclo de quatorze poemas da obra configura paragens de uma extensa via crucis na qual imagens-sonoro plásticas trazem à tona questões de caráter político, ético e estético.

Por uma zona de livre fronteira entre poesia e filosofia: poema-ensaio
Jessica Di Chiara Salgado (PUC-Rio)

A etiqueta “poema-ensaio” vem sendo atribuída com alguma frequência pela crítica especializada a muitos poemas da poeta, editora e tradutora Marília Garcia, sobretudo às versões impressas de textos escritos para serem lidos e dirigidos a um público universitário e/ou de pesquisadores. Além de guardar relação próxima com o poema em prosa – que teria em Mallarmé e Baudelaire suas origens, precursores da tradição moderna em poesia –, esta nova etiqueta parece carregar consigo características mais teóricas, de autorreflexividade e consciência dos próprios procedimentos, além de suportar um tom que passeia entre os registros biográfico e crítico. Estas características teriam afinidade, justamente, com a forma do ensaio, gênero filosófico de difícil definição cuja origem é atribuída a Michel de Montaigne e que viu, no século XX, a profusão de teorias sobre a sua forma, destacando-se, nessa seara, os escritos pioneiros de George Lukács, Walter Benjamin, Max Bense e Theodor Adorno. Esta comunicação pretende ler os usos que Marília Garcia faz, em seu mais recente livro, “Expedição: nebulosa” (2023), da poesia de David Antin, poeta, crítico e artista performático norte-americano autor de “Talking at the bondaries” (1976) que é situado, por sua vez, ao mesmo tempo como poeta e filósofo pelo crítico e professor Stephen Fredman na introdução de “How Long is the Present” (2014), antologia de poemas selecionados. Interessa pensar uma zona de livre fronteira entre poesia, crítica e filosofia.

O que é um poema-ensaio? Notas para um conceito a partir de Anne Carson
Rafael Zacca (PUC-Rio)

O ensaio nasceu com Montaigne, germinou nas teorias sobre o ensaio ao longo dos séculos, que culminaram nos célebres escritos de Lukács e Adorno sobre o tema, e floresceram em sua pulsão criativa no seio das outras artes. É o caso da poesia. Entre os contemporâneos que praticam a forma poema-ensaio, destacam-se trabalhos da canadense Anne Carson. Esta apresentação se dedicará a arriscar algumas notas para o conceito de poema-ensaio de sua obra. Romance, poesia, diário, ensaio, tradução e outras formas se alternam e misturam em seus textos. O poema “Ensaio sobre o que mais penso”, analisa o valor da metáfora e do erro para o pensamento a partir de Aristóteles e do poeta mélico Álcman. Em “A tarefa da tradutora de Antígona”, o prefácio versificado de sua tradução para a Antígona de Sófocles reflete, em uma correspondência endereçada à heroína da tragédia, o papel da tradutora em diálogo indireto com Walter Benjamin. Já “Eu queria ser dois cachorros assim eu poderia brincar comigo mesma”, ensaio que introduz em versos a sua tradução das Bakkhai, de 2017, reflete sobre desejo e investigação de si a partir do Dioniso de Eurípedes. Poemas-ensaio. Que é esta forma? O que esses textos fazem? Por que os ensaios se escrevem em versos? De que maneira os versos ensaiam a matéria dos poemas? São perguntas que essa apresentação tenta colocar.

18H
Sala O-342
Fronteiras da literatura
Mediação: Fernanda Proença
As fronteiras móveis entre filosofia e literatura
Rafael Lopes Azize (UFBA)

É tentador fixar atributos supostamente necessários e suficientes que serviriam a uma operação de demarcação entre filosofia e literatura. Importaria, desse ponto de vista, buscar critérios para traçar fronteiras rígidas entre ambos esses discursos. Não se vai falar da busca efetiva por essas fronteiras rígidas, mas sobre pressupostos e consequências da busca em si como projeto. Ao desenhar formas possíveis da polarização entre literatura e filosofia, investigaremos a perigosa tentação de um uso dogmático dessa demarcação, tanto nos estudos literários como na meta-filosofia. Uma postura dogmática por trás dessa demarcação se assentaria em visões restritas ou redutoras dos usos dos conceitos que nomeiam esses discursos. O meu objetivo é então o de pensar razões para um acautelamento contra o gesto de levar essa polarização longe demais.

Benjamin, Adorno e "Também os brancos sabem dançar", de Kalaf Epalanga
Adriano Guedes Carneiro (UFF)

O objetivo desta comunicação é discutir as relações entre literatura e música em “Também os brancos sabem dançar”, de Kalaf Epalanga, e a sua relação com a filosofia estética da música em Theodor W. Adorno e, de certa forma, em Walter Benjamin (“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, sobretudo). O romance é entendido, aqui, como um texto híbrido, situado num entre-lugar, em tensão, em permanente desterritorialização e reterritorialização entre Angola e Portugal, como literatura afrodescendente portuguesa, conforme escreveu Émerson da Cruz Inácio. É através da relação entre a música e a escrita, cartografando o kuduro – gênero musical associado ao funk e ao rap, utilizado pelas classes populares angolanas como forma de resistência –, que o livro busca atingir sua condição de romance musical. O kuduro é apenas indústria cultural ou tem em si potência de transformação, pois, além de tudo, carrega elementos de uma cultura bantu anterior à colonização portuguesa de Angola? Utilizar-se-á a contribuição teórica dos seguintes autores: Walter Benjamin, Theodor W. Adorno, Gilles Deleuze, Felix Guattari, Philippe Lejeune, Silviano Santiago, Linda Hutcheon, Carlos Reis, Kwame Anthony Appiah, Émerson da Cruz Inácio e Luca Fazzini.

Nas mediações da partilha do sensível: considerações sobre a literatura no espaço político e sua condição para a emancipação
Michelly Alves Teixeira (UnB)

A comunicação explora, sob a perspectiva da filosofia rancieriana, a expressão “política da literatura”, como a prática de pensar a literatura enquanto política. Exige-se dessa ligação pensarmos qual é o papel do conhecimento e do escritor, e quais são os limites e superações impostos a nós, escritores, diante do movimento histórico e de seu papel enquanto emancipação. O percurso da apresentação tem como mote pensarmos as teses de Jacques Rancière e de seu conceito de política como conflito e de sua relação com a literatura, em que o exercício da palavra pertence a uma parte privilegiada da sociedade, enquanto, do outro lado, pessoas ditas “marginalizadas” ou sem nome, cientes de seu papel no mundo, manifestam-se contra o poder do silenciamento e do isolamento. Ao pensarmos a relação da política com a literatura como a arte de escrever que, nas palavras do autor, “intervém dentro da relação entre as práticas das formas de visibilidade e dos modos de dizer que recortam um ou vários mundos comuns”, fica claro que a meta desse recorte é desordenar a ordem estabelecida em que a literatura pertence a um meio de pessoas privilegiadas. Nesse sentido, o percurso criado pela literatura é aquele em que sai dos gabinetes e chega até as barracas ao léu, ao circular livremente sem destinatário, oferecendo a todos, por meio de seu caráter igualitário, o direito de compreender e interpretar todas as formas sintomáticas que constitui o sujeito político.

18H
Sala O-510
Descolonizando a pluralidade na arte
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
A história da arte pode ser descolonizada?
Rachel Cecília de Oliveira (UFMG)

A narrativa hegemônica da história da arte euro-estadunidense está alicerçada em uma complexa dinâmica de poder construída, durante os séculos XIX e XX, que hierarquiza e descredencia produções artísticas não-hegemônicas, tais como as artes feitas por mulheres, pessoas racializadas e povos não ocidentais. Ainda que muitas teses tenham sido elaboradas elucidando esse cenário e abrindo espaço para outras artes, poucas mudanças ocorreram no modo de abordagem e de ensino da história da arte, por isso é necessária uma discussão contra-colonial visando viabilizar a construção de um espaço para a existência de uma pluralidade efetiva e não hierarquizada das artes.

O conceito de arte pode ser descolonizado?
Debora Pazetto (UDESC)

As filosofias da arte euro-estadunidenses apresentaram, ao longo dos séculos, diferentes caracterizações ou definições da arte. Em todo caso, o que se tinha em vista era o conjunto de objetos e situações que foram compreendidos social e institucionalmente como arte dentro do contexto euro-estadunidense. Ainda que, principalmente a partir do modernismo, esse contexto tenha inserido “obras” de diferentes culturas dentro de sua gramática pictórica/escultórica, o conceito de arte continuou sendo delineado nos parâmetros de sua própria linhagem teórica – daí a necessidade de uma discussão contra-colonial em torno das caracterizações e definições de arte. Como incluir múltiplas formas de expressão artística presentes em diferentes culturas, antes ou depois de suas colonizações, sem novamente performar uma colonização conceitual, isto é, sem traduzir essas práticas para dentro de conceitos euro-estadunidenses?

Estética da escrita: a arte do estilo em Nietzsche e Clarice Lispector
Quésia Oliveira Olanda (UERJ)

O trabalho que se apresenta tem por objetivo aproximar a estética da escrita de Nietzsche com a de Clarice Lispector. Faremos, portanto, ponte entre Filosofia e Literatura. Ponte que não separa, mas que atravessa. Nessa travessia, usaremos como aporte teórico “Ecce Homo” (1908) que, além de ser autobiográfico, fala sobre uma arte do estilo, compreendida como um trabalho estilístico da linguagem, a fim de que, através dela, os afetos sejam comunicados. Nosso filósofo elabora críticas a um modelo de linguagem, qual seja, racionalista, pois este inferioriza o teor artístico como um todo, ao passo que, coloca a lógica e a dialética em um lugar de superioridade. “O modo Clarice” de escrever também denuncia essa tradição, como em “A Paixão Segundo GH” (1964). Ambos conduzem as palavras como numa dança, ora aforismática, ora dissertativa, ora poética. São escritas polifônicas, uma colcha de retalhos costurada por muitas vozes. Derrida comenta que, “se há estilo, Nietzsche no-lo recordou, ele só pode ser plural” (Derrida, 1999). Escritas como de um flâneur – termo que Benjamin retirou da poesia de Baudelaire –, pois o pensador alemão valoriza “pensamentos caminhantes”. Nietzsche, portanto, se mostra como um escritor que escreve com o martelo – para falar em seus termos –, martelando a lógica tradicional. Contrariando a escrita sistemática, defenderemos uma arte do estilo que é plural, inventiva, que cria “Outras Palavras”, como cantou Caetano Veloso, a partir de Lispector e Nietzsche.

18H
Sala O-516
Cinema em Adorno e Benjamin
Mediação: Marcela Oliveira
Cinema e psicologia de massa em Walter Benjamin
Francisco De Ambrosis Pinheiro Machado (UNIFESP)

Na segunda versão do ensaio a “Obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin faz uma diferenciação, em parte fundamentada em Freud, entre, por um lado, a massa compacta, pequeno burguesa, sujeita à manipulação fascista, que corresponderia àquela descrita por Gustave Le Bon no seu livro “Psicologia das massas”, e, por outro, a massa afrouxada, que constituiria a classe com consciência. A presente comunicação visa explicitar essa diferenciação e o papel que o cinema pode ter no afrouxamento das massas, quando não submetido ao capital e nem voltado ao culto fascista do público e da personalisdade. Papel que Benjamin detalha, em outro momento do ensaio, ao pensar na possibilidade de alguns filmes funcionarem como uma espécie de vacina contra o caráter psicótico que as massas podem adquirir em dados momentos históricos.

O cinema segundo Walter Benjamin: um problema psicofísico-antropológico
João Felipe Lopes Rampim (UNICAMP)

Trata-se de analisar a influência da psicofísica nas reflexões de Walter Benjamin sobre o cinema à luz de seu materialismo antropológico. Se, por um lado, conceitos como “inervação”, “choque” e “distração”, empregados por ele na caracterização da vivência coletiva na sala de cinema, permitem situar sua discussão em confronto com as primeiras tentativas teóricas de enquadrar o cinema, nas quais preponderava um modelo psicofísico, por outro, tais conceitos se situam no horizonte do programa materialista antropológico de constituição de um sujeito coletivo habituado às condições de existência do século XX. Destacamos o “movimento de reforma do cinema” (“Kinoreformbewegung”) como representativo de uma compreensão retrógrada sobre o cinema, segundo a qual, dentre outras coisas, a estimulação neurofisiológica do aparelho sensível provocada pelo filme teria efeitos degradantes do ponto de vista estético e moral, especialmente em crianças e jovens. Benjamin, em contraposição, divisa na distração coletiva do cinema, erigida sobre essa mesma estimulação neurofisiológica, o potencial de exercício nas apercepções e reações engendradas pelo aparato técnico que ocupa cada vez mais a vida social.

O cinema como obra de arte autêntica, a partir da Teoria Estética de Theodor Adorno
Mateus Matos Bezerra (UFMT)

Quando se pensa em autenticidade (Authentizität) da obra de arte na “Teoria Estética” de Adorno a correlação mais próxima é uma significação pela constelação da ideia de veracidade, originalidade e apresentação autenticada, por meio da materialidade da obra de arte. Portanto, a obra de arte autêntica não é aquela que está ligada a uma vanguarda, mas aquela que cria formas de criar uma constelação estética sobre a veracidade da sociedade. A questão da autenticidade é importante para entender como uma obra de arte não fica presa a significação de sistemas, subjetivos ou sociais (caso da indústria cultural), pois está formada como conteúdo sedimentado em sua condição de antítese social, ainda que tenha sua condição de fato social como irrevogável. Assim, a presente apresentação tenta encontrar a possibilidade do cinema ter encontrado sua forma estética, como indicado em “Notas sobre o filme”, enquanto obra de arte autêntica. Isso pelo fato do cinema, para Adorno, ser parte fundamental para o andamento do sistema da indústria cultural. Isso dito, na “Teoria Estética” Adorno descreve alguns elementos, inerentes a constelação do cinema, em que a autenticidade do cinema passa por encontrar uma forma de não cair na consideração do mundo administrado escolhendo de fora o que será representado no cinema. Portanto, tomado a termo adorniano, o cinema autêntico é aquele estaria consoante a apresentação do conteúdo de verdade, por meio do primado do objeto.

10/11
sex
10H
Auditório Bloco P
Plenária Fernando
Mediação: Fernanda Proença
Entre a salvação pela fé e a emancipação pela arte: um dilema existencial?
Fernando Costa Mattos (UFABC)
14H
Sala O-342
Fronteiras do espaço
Mediação: Patrick Pessoa
Cartografias situadas: o redesenhar das relações figura-fundo nos saberes situados de Donna Haraway
Ana Paula Lourenço da Silva (UFRJ)

Apresentarei a noção de fronteira que a bióloga e filósofa Donna Haraway opera no horizonte da ecologia de práticas produzida pelos “saberes situados”, dando atenção aos processos de produção, reprodução e invenção de conhecimentos corporificados, preocupada em identificar as bordas e readequar-se, redesenhá-las enquanto compromisso ético-político-estético. Para Haraway, nós não apenas somos responsáveis pelas fronteiras, nós somos as fronteiras, entramos em relação nestes jogos incessantes no delimitar dos contornos. Um conhecimento como prática de mapeamento opera como um dispositivo de visualização que dá a ver figuras (subjetividades) em relação aos seus mundos (os “fundos”, as paisagens que habitam). Cartografar é um modo de navegar, de percorrer territórios entrando no movimento do jogo de ler e desenhar mapas fomentadores da regeneração das condições de habitabilidade do planeta face a catástrofe climática que experienciamos. Haraway propõe os saberes situados (1988) como resposta ao esforço coletivo de cientistas em construir um arcabouço para comunicação e tradução de saberes entre as distintas áreas, até então separadas por limites estanques, sem renunciar a parâmetros de objetividade eticamente construídos. Fomentar a produção transdisciplinar – humanas, exatas, sociais, biológicas, naturais e as linguagens – é convocar quem constrói o conhecimento a prestar de contas das relações de poder que autoriza e/ou desautoriza: o que fica dentro ou fora do contorno.

Um jardim na paisagem: o Kindergarten de F. Froebel como projeto estético-político
Benedetta Bisol (UnB)

Entre as montanhas da Saxônia, em 1840, o pedagogo alemão Friedrich Froebel idealiza e inaugura uma instituição de educação infantil, destinada a se tornar tão famosa que o seu nome, jardim de infância [Kindergarten], é utilizado ainda hoje, como termo técnico e na linguagem comum. Discuto, na comunicação, a noção de jardim (das crianças), na sua relação com uma outra noção-chave para o ideário estético-político, a saber, a noção de paisagem. Pretendo mostrar quanto a idealização do jardim, de acordo com a concepção froebeliana, se torna possível através de uma peculiar apropriação da noção de limite, de ascendência fichteana, incorporada por sua vez num imaginário estético-político e pedagógico que considera a natureza, ao mesmo tempo, como paisagem (utópica) e como território da nascente nação alemã.

As cidades: seus mapas, fronteiras e representações na arte
Elis Crokidakis Castro (UFF)

As fronteiras da cidade sempre foram delimitadas por mapas ou por muralhas que as protegiam de invasões. Na literatura, os limites entre a poesia e a prosa se tangenciam vez por outra mostrando que na prática os sentidos, os sons e as imagens podem não ter fronteiras marcadas. No cinema, arte que usa de todas as outras, mais uma vez as fronteiras que delimitam ficção e documentário se misturam e não são claras. Diante das nuances em cada um desses espaços, de fronteira abertas e fechadas na cidade, na literatura e no cinema é que analisaremos a espacialidade da cidade e sua representação no curta-ensaio “ Nunca é noite no mapa”, filme feito a partir das imagens do google street view, com imagens gravadas pela patrulha do google transitando pela cidade e que ficam a disposição dos internautas na nuvem. Este material filmado possibilitou a criação de uma poética inovadora na forma, na narrativa e nos possíveis sentidos construídos. Para nos auxiliar na análise recorreremos às obras de Walter Benjamim, Didi-Humerman, Milton Santos, Beatriz Sarlo e Jean Louis Comolli.

14H
Sala O-510
Literatura brasileira
Mediação: Pedro Süssekind
Mário de Andrade: o transitório nas fronteiras do esteticismo
Pedro Fernandes Galé (UFSCar)

Pensar os aspectos ligados às artes visuais em Mário de Andrade é avançar em um mundo onde qualquer sorte de infantilidade estética, a saber, aquela originada em uma filosofia agradavelmente consolidada no hemisfério norte, mas infantilmente divulgada por seus agentes nos trópicos (ainda que estes acreditem defender o nacional), deve ser superada diante da imposição transitória e material do elemento artístico local. Longe de uma autonomia estéril, o autor de Macunaíma, impôs-se um método que não deixou de buscar dar conta da materialidade das artes, em sua transitoriedade e origem. Ao invés de soterrar as figurações brasileiras diante de teorias advindas do esteticismo da velha Europa (que por vezes se apresentou brasileiríssimo), ou de uma retomada da mitologia recauchutada por alemães e endeusada por brasileiros, Mário forjou também mitos, entendeu ritos e, por isso, superou as fronteiras do esteticismo e academicismo diante da imposição plástica advinda do universo das artes, no qual até mesmo um momento figurativo central da historiografia artística nacional, o Aleijadinho, pode ser considerado em sua plena corruptibilidade, ou, em suas palavras: tratou-se de “um aborto luminoso”. Acreditamos que é nesse sentido, ligado ao material e corruptível (ainda que em busca de preservação), que sua obra, de cunho estético e fronteiriço, deveria também ser recuperada.

Habitar a (justa) palavra: a justiça em Guimarães Rosa e Paul Ricoeur
Lu Lessa Ventarola (COIMBRA)

Guimarães Rosa, a propósito da escrita, afirmou buscar “um ideal: precisão micromilimétrica”. Como o pensamento expresso e desencadeado por um texto pode encontrar eco na vida prática? Esta é a questão que tentaremos enfrentar neste trabalho.Mais especificamente analisaremos o tema da justiça, invocado ficcionalmente por Guimarães na novela “A hora e a vez de Augusto Matraga”, e como tal tema se pode aproximar do leitor e criar, em seu espaço de entendimento, semelhanças e novos sentidos que antes não existiam. Paul Ricoeur entende essa capacidade mimética criativa como uma função metafórica da arte e, em particular, da linguagem. A possibilidade de ligação entre duas distâncias pela mediação de um artefato artístico, neste caso, um texto literário, permite pensar aspecto determinantes do ato de interpretar. Interpretar um texto é desvendar um mundo. “E o mundo do texto”, nas palavras de Ricoeur, “porque é mundo, entra necessariamente em colisão com o mundo real, para o refazer, quer o confirme quer o recuse. Mas mesmo a mais irônica ligação da arte com a realidade seria incompreensível se a arte não des-arrumasse e não re-organizasse a nossa relação com o real”.

Travessias: filosofia e literatura no "Grande sertão: veredas"
Nina Teixeira Rodrigues Lima (PUC-Rio)

No “Grande sertão: veredas”, a travessia revela-se como um problema a ser filosoficamente examinado, levando em consideração o destaque que recebe a palavra nesta obra escrita por Guimarães Rosa. A relação entre filosofia e literatura é desdobrada a partir da narração de uma viagem que, se por um lado, perfaz-se pelo terreno do sertão, por outro lado transcende o simples deslocamento espacial, assumindo proporções universais. Nesse sentido, temos como objetivo explorar os dois planos que significam e nos quais operam o sertão rosiano, buscando compreender os modos pelos quais pode-se pretender atravessá-lo.

14H
Sala O-516
Marcadores fronteiriços
Mediação: Bernardo Barros Oliveira
A subversão das fronteiras do corpo em “Manifesto transpofágico”
Bruna Rodrigues Dias Testi (UFF)

A comunicação proposta destina-se ao ensaio de estratégias subversivas através das fronteiras dos corpos generificados, a partir da análise da peça “Manifesto transpofágico”, da atriz, roteirista e pesquisadora Renata Carvalho, aliada à investigação da tese da filósofa estadunidense Judith Butler. Em sua proposição de que os gêneros são constituídos por meio de atos performáticos, Butler demonstra em que sentido o processo de generificação dos corpos não se dá de forma abrupta, ao contrário, há uma atividade que parte do próprio corpo e na própria estrutura corpórea, um movimento estilizado, porém sutil, como se integrante de um mecanismo estrategicamente velado. Renata Carvalho, em sua peça manifesto (ou em sua “travaturgia”) faz de seu corpo travesti em cena um experimento. A performer se coloca como engenheira de seu próprio corpo, afirmando que “é no corpo que as travestis se produzem como sujeitas”. Tanto Renata quanto Judith problematizam a noção de “corpo” como superfície, dotado de uma materialidade pré-discursiva, ao passo que sugerem como os contornos corporais são culturalmente, socialmente e politicamente estabelecidos como marcações, direcionadas à adequação aos códigos da coerência cultural. Portanto, a comunicação proposta dedica-se a, por meio da travaturgia de Renata e da filosofia de Butler, descortinar a ficção reguladora sustentada pela narrativa cisheteronormativa, investigando a vulnerabilidade sistêmica revelada na abertura das fronteiras dos corpos.

Formas mestizas
Annelise Schwarcz (UFF)

Nascida no Sul do EUA em 1942, filha de mãe índia mexicana e pai espanhol, Anzaldúa nasceu “mestiza”. É a partir da identidade fraturada e da paisagem recortada por fronteiras que se insere a produção de Anzaldúa. A qualidade mestiça, enquanto mera condição biológica ou aparência física, dá lugar a um paradigma para uma nova epistemologia à luz desse despertar para a consciência mestiza: uma consciência que recusa binarismos e opera a partir de conflitos, acolhendo as contradições e habitando os entrelugares das categorias que norteiam os debates de raça, gênero, sexualidades e classes. A fim de manter uma coerência entre a forma e o conteúdo do texto, Anzaldúa escreve “Borderlands”, seu livro semi-biográfico, lançando mão de diferentes recursos literários, oscilando entre memórias, músicas, poemas autorais e não autorais, ora num registro mais parecido com o de um diário, ora em formato artigo, ainda que ensaístico. O objetivo desta comunicação é refletir, partindo do livro de Anzaldúa, sobre a produção de corpos: o corpo mestizo e as identidades que o atravessam, o corpo textual de “Borderlands”, sua forma mestiza de fazer epistemologia e as categorias que se abrem a partir dessa forma.

Corpo lésbico
Clara Biondo de Araujo (PUC-Rio)

Nessa comunicação, procuraremos analisar a obra “O corpo lésbico”, de Monique Wittig, e, com isso, buscar aproximações entre filosofia e literatura, de maneira a apresentar o entrelaçamento entre corpo e linguagem. Temática também importante nos escritos teóricos da autora, a desintegração do corpo na obra em questão é uma tentativa de repensar o corpo marcado pelo regime de diferença sexual. Em sua forma, neutraliza os pronomes de gênero e procura novas maneiras de apresentar o que seria a suposta natureza atribuída à mulher e ao mito que sustenta sua existência na sociedade ocidental. Com isso, a partir de problemas que a própria autora apresenta ao longo de seus demais escritos, serão abordadas as questões acerca do trabalho da forma, unidos à crítica do regime heterossexual, que apontam para um novo olhar sobre a natureza e para a criação de outras existências possíveis.

16H
Sala O-342
Estéticas contemporâneas
Mediação: Rosa Gabriella Gonçalves
Experiências em fronteiras: o Inframince duchampiano e a Transicionalidade winnicottiana
Cláudia Maria França da Silva (UFES)

Nos anos 1950, Winnicott publica sua teoria sobre a Transicionalidade, processo de maturação em que a dependência bebê-mãe cede espaço para a descoberta do ambiente e seus objetos. Os fenômenos transicionais ocorrem em uma zona fronteiriça que recebe o trajeto paulatino do corpo ao ambiente, a área intermediária da experimentação. Ali o bebê experimenta toques, sensações e constrói familiaridade com objetos. A Transicionalidade alcança a vida adulta, por meio do brincar e de experiências criativas que constituem os interesses culturais. Trata-se de uma teoria que privilegia o relacional (entre-dois), os estágios mínimos de transição, o contato com os corpos. Percebemos tais aspectos no neologismo Inframince, de Duchamp, desenvolvido nos anos 1930. O Inframince é um conjunto de 46 notas, situações cuja evocação traz e retém mentalmente experiências do sensível dadas no contato com outros objetos, fazendo-nos saber do limiar entre o perceptível e o não-perceptível de um fenômeno. As notas enunciam operações que favorecem experiências estéticas. O Inframince expandiria nossa percepção das coisas e a espacialidade, rearranjando nosso imaginário e a vivência do tempo pelo viés da sutileza dos contatos, valorizando o “resíduo” que fica de uma experiência, tais como o calor, o hálito, a fumaça. Nosso intento é colocar lado a lado o modo como os autores mencionados pensam as regiões fronteiriças como espaços potenciais de ressignificação existencial, por meio das “coisas pequenas”.

O conceito de ritmo na obra de Giorgio Agamben
Bruno de Souza Pacheco Jalles (UFF)

Em “O Homem sem conteúdo”, seu seminal livro de estética, o filósofo Giorgio Agamben elabora o conceito de “ritmo”, a fim de explicar o estatuto contemporâneo da obra de arte. O objetivo dessa comunicação é demonstrar como Agamben, a partir de uma leitura comparada de Heidegger e do linguista francês Emile Benveniste, elabora essa ideia. Também será alvo de investigação alguns poemas de poetas modernos com o intuito de melhor compreender o conceito agambeniano de ritmo.

Trans-formação e trans-figuração: Duchamp e Warhol no “artworld” de Arthur Danto
Carlos Henrique Moller (UNIFESP)

O objetivo dessa comunicação é percorrer o caminho que levou Arthur C. Danto ao início de suas análises a respeito de uma nova teoria de arte, que incluísse uma definição de obras de arte, abrangente o bastante para que fosse possível compreender obras do passado, presente e futuro. Apesar desse início ter-se dado com a Brillo Box, de Andy Warhol, levaremos em grande consideração o nome de Marcel Duchamp no processo, as aproximações e distanciamentos dos dois artistas à luz da filosofia da arte de Danto. Ao colocarmos à prova os termos trans-formação e trans-figuração, nos aprofundaremos nessa jornada exploratória, e então termos e conceitos serão apresentados, tais como transfiguration, aboutness, embodied meaning, real world, art world e “artworld”, fundamentais na teoria de Danto. O caminho para o entendimento básico desses conceitos passa pela análise de parte de duas produções escritas por Danto: o terceiro capítulo (intitulado “A Brillo Box”) da biografia escrita pelo filósofo sobre Andy Warhol; e a seção III de seu artigo seminal, “The Artworld”, além de textos complementares de Hal Foster, Peter Bürger, Aristóteles e de Duchamp. Essa trilha nos levará (ou nos trará de volta) aos indiscerníveis, conjuntos de meras coisas e objetos de arte; dessa forma, Danto nos convida à uma interpretação desses últimos, para que os movamos, finalmente, ao “artworld”.

16H
Sala O-510
Protestos e espaços
Mediação: Pedro Franceschini
A estética do protesto e a (re)construção da habitabilidade urbana na condição pós-metropolitana
Jorge Antônio de Oliveira Júnior (UnB)

Este artigo explora o papel do protesto na (re)construção da habitabilidade urbana pós-metropolitana. Os protestos ocorrem em espaços públicos habitáveis, envolvendo atores sociais, práticas e lugares. Esses eventos transformam e são transformados pelos lugares, que têm histórias, memórias e significados. Nas grandes cidades, a métrica espacial tradicional perde relevância, priorizando o tempo e o custo financeiro do deslocamento em detrimento da distância física. As transformações urbanas para a mobilidade entram em conflito com a “condição pós-metropolitana”, marcada por eventos imprevisíveis e distribuição de funções não programada. A supressão das experiências temporais na cidade contemporânea gera um espaço existencial achatado, enfraquecendo a sensação de tempo e participação sensorial. No entanto, os protestos rompem com essa condição ao ocupar e reconfigurar os espaços urbanos no tempo, transformando as relações entre as pessoas e a cidade. O sujeito político, agente de dissenso e confronto com a ordem estabelecida, desempenha um papel essencial na estética do protesto. O artigo discute as particularidades dessas ações coletivas, relacionando-as a questões urbanas e enfatizando a importância do sujeito político na construção de uma sociedade ativamente participativa. Busca-se, assim, compreender como esses eventos podem contribuir para a (re)construção de uma habitabilidade urbana mais inclusiva e sensível às necessidades dos habitantes nas cidades contemporâneas.

Estéticas de retaguarda
Bernardo Gutiérrez González (UAM/USP)

O ciclo de revoltas globais interconectadas compreendidas entre os protestos árabes (2011) e a ocupação das escolas secundaristas do Brasil (2015-16) aportou novas formas de produção coletiva de estéticas. Por um lado, as imagens aéreas sobre espaços públicos ocupados, como a Puerta del Sol de Madrid (ocupada pelo movimento 15M) o a praça Tahrir do Cairo (onde se instalou um acampamento cidadão), inscreveram os acampamentos no espaço público na iconografia global. Enquanto a grande mídia falhava com suas fórmulas icônicas, as praças ocupadas eram reinventadas graças a uma “estética de recombinação” na qual eram montados cartazes, grafites, desenhos, ou fotografias impressas. Além das vistas aéreas, outro tipo de imagem capturava o espírito das ocupações: imagens dos próprios participantes que retratavam atividades como cozinhar, limpar, fazer chá ou dormir. Imagens que circulavam em mídias sociais e, mais do que representar o movimento, criavam movimento, visibilizando as tarefas dos cuidados. Esta apresentação pretende descrever os mecanismos visuais de produção estética que transbordam a iconicidade clássica dos seguintes processos: Puerta del Sol (Madri, 2011), praça Tahir (Cairo, 2011), Zuccotti Park (Nova York, 2011), Parque Gezi (Istambul, 2013), Aldeia Maracanã (Rio de Janeiro, 2013), Parque Augusta (São Paulo, 2015) ou as ocupações secundaristas do Brasil.

Polícia estética e monumentos, uma disputa pela democracia
Arthur Gomes Barbosa (UnB)

Pretendemos explorar a ideia de dissenso aplicada às manifestações sócio-políticas que utilizam monumentos como seus suportes. Vemos a política segundo Ranciere, onde um certa igualdade rege sua atividade questionadora. Assim, vemos os monumentos como estruturas mnemônicas associadas a grandes feitos e a manutenção de memórias e narrativas, e mostram como parcelas da sociedade foram marginalizadas e deixadas de fora da construção política de certos signos, onde podem ser vistos como um marco da desigualdade. São aproximáveis das polícias de Rancière, não somente forças de contenção e segurança, mas instituições que garantem a manutenção das hegemonias. Uma posição que se atualiza nas ideias de Mbembe em seu conceito de necropolítica, o poder de decidir quem vive e quem morre. Ao pensar na necropolítica associada às práticas utilizadas no processo de colonização, Mbembe destaca a destruição de sistemas simbólicos como forma de subjugar comunidades e destruir suas identidades. Ao manter parcelas da sociedade distantes de pertencerem a determinados signos, marca-se uma diferença entre uns e outros e aprofunda-se a desigualdade. A partir da ideia de dissenso, onde a política se faz no desentendimento, percebe-se um embate sendo travado ao observarmos as recentes retomadas e ressignificações dos objetos monumentais, entendendo-os como objetos da polícia e política estética, que passam por processos de retomada, onde os sem-lugar tentam propor espaços de igualdade e democracia.

16H
Sala O-516
Estética alemã
Mediação: Fernanda Proença
O conceito enciclopédico de gênio
Vinícius Guimarães Dias Francisco (UFLA)

A comunicação se propõe a explorar o conceito hegeliano de gênio na “Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio”, de 1830, de modo a contemplar tanto a seção sobre a Alma (§§388 a 412) e a seção sobre a Arte (§§556 a 563), quanto os respectivos adendos aos parágrafos mencionados. Inserido no saber enciclopédico, o gênio deve ter um conceito sistematicamente definido, de modo a cumprir o seu papel no desenvolvimento da alma e do espírito. Este envolve a liberação do espírito da natureza, mas de forma complexa: a liberdade do espírito é aqui interior à natureza, ou seja, com a natureza. No início da seção, estabelece-se uma alma que é condicionada pela determinação natural, sujeita às condições imediatas, como clima, geografia, predisposição e temperamento. Em seguida, realiza-se uma passagem antropológica, da alma natural condicionada ao posterior momento de desenvolvimento, o da singularização individual, e, nesse contexto, o gênio e o talento exprimem a inclinação que o espírito recebeu da natureza, sendo o gênio mais abrangente que o mero dom natural. Mais à frente, entretanto, o gênio passa a se referir ao temperamento inato ao sujeito, como totalidade emotiva. Já na seção da Arte, o gênio, enquanto produtor da bela obra, é capaz de nela manifestar sensivelmente a ideia absoluta. Em vista do objetivo de compreender o conceito sistemático de gênio, adota-se como metodologia a reconstrução conceitual, considerando para isso comentários e análises da Enciclopédia.

O gênio é um demônio: considerações sobre um conceito poético-filosófico em Hamann
Lucas Lazzaretti (UFPR)

O conceito de gênio, tão caro à estética pós-kantiana, é fundamental para o desenvolvimento de certas reflexões sobre poética e arte no pré-romantismo de Jena e em suas derivações filosóficas. Muito embora esse conceito encontre certa centralidade no tratamento dado pela terceira crítica kantiana, uma análise de sua genealogia encontra ecos que remontam às origens do movimento Sturm und Drang e que, por conseguinte, remontam à presença de Johann Georg Hamann. Em seu influente ensaio de 1962, “Aesthetica in nuce”, Hamann apresenta uma crítica aos padrões estéticos recebidos do classicismo francês e, como derivação dessa crítica, estrutura um caminho que vincula o conceito de gênio com uma ideia de linguagem que traz na poesia a sua origem formadora. A relação entre o gênio e a poesia, contudo, parece padecer de uma fraqueza conceitual em leituras que assumem como fundamento do argumento hamanniano a simples remissão a elementos místico-religiosos. A presente apresentação visa demonstrar como o conceito de gênio introduzido por Hamann em seus ensaios estéticos remontam a um conceito de “demoníaco” enquanto uma estrutura de negatividade, indicando de que maneira essa negatividade passa a ser um importante elemento constitutivo de avaliação poética na estética moderna.

A desmaterialização das artes: a pintura na fronteira entre o moderno e o contemporâneo na estética de Hegel
Luiz Henrique Couto Martins (USP)

A presente comunicação propõe uma releitura da tradicional posição da pintura na filosofia estética de Hegel a partir da noção de desmaterialização da arte. Tomando como ponto de partida o “prejudicar da totalidade espacial” que a pintura efetua na abertura da forma de arte romântica, exploraremos como este movimento propõe a necessidade de repensar as fronteiras entre a estética, a ciência e a filosofia nos moldes modernos. Em consonância com esta análise recorreremos também à uma parcela de fenômenos contemporâneos dos estudos das imagens que indicam que as consequências do pensamento estético hegeliano podem ser sentidas ainda hoje na pós-modernidade, como é o caso do conceito de logocentrismo hegemônico de Lyotard; a desartificação da arte em Adorno, a ratificação da abstração artística em Greenberg, a imagem pensativa de Rancière e o recente movimento do pictorial/visual turn (giro pictórico/visual).

18H
Auditório Bloco P
Plenária Luisa
Mediação: Vladimir Vieira
Aspectos de uma poética cômica em Aristófanes
Luisa Buarque de Holanda (PUC-Rio)
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